Hélio Consolaro*
Aí a Japa, que ouvia as músicas, gritou:
- Que é isso? Chifre? Está com a irmã na zona?
Respondi-lhe:
- Aqui é o Serviço de Alto-Falante São Francisco, falando de Rosana para o mundo!
Era um lugar esquecido pelas autoridades. Só Deus lembrava de Rosana para mandar enchentes, via Rio Paraná, e quando precisava de anjinhos para o céu, lá era o celeiro. Na verdade, a fome matava, Ele só ia buscar.
O Serviço de Alto Falante São Francisco, do vereador Joaquim Lopes, cuja mídia era administrada pelo filho Francisco Lopes, ficava ao pé de meu alpendre: um poste bem alto, com cornetas nas pontas. Eu ouvia recados, falecimentos, propagandas e rezas em primeira mão.
E lá vão músicas de Odair José e Pe. Zezinho. O jovem professor, o vizinho, que estava aprendendo a gostar de Caetano Veloso, Gilberto Gil, se engajando no Tropicalismo, era obrigado a ouvir músicas religiosas e breguice.
Ouvi tanto que virou saudade de uma época. Uma mentira dita várias vezes se transforma em verdade. Na perspectiva do tempo, hoje entendo melhor o Odair, qual era o seu papel. E minha aversão por ele era mesmo preconceituosa. "Pare de tomar a pílula" foi um escândalo aos ouvidos dos carolas.
Que tem você, caro leitor, com minhas saudades? Tem, sim. A arte tem a magia de imitar a vida, por isso quem sabe você também já não passou momentos como o meu, mas não escreveu. Então, o meu texto tem o condão de despertar-lhe emoções, lembranças, até encher os olhos d'água.
Não choramos diante do filme, da novela, ao ler um livro. Se você é um sujeito com mais de sessenta, com certeza esse texto lhe disse muito.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP e Itaperuna-RJ. Secretário municipal de Cultura de 2009-2016.
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Hoje, encaixei o meu
iPhone ao carregador universal idock para ampliar o som musical e liguei o
aplicativo Spotify e fui ao banho, um momento de descontração.
Tudo muito
moderninho, muita tecnologia, até eu selecionar o cantor brega Odair José.
Que coisa antiga! Não é que achei as músicas dele no acervo! E quando eu gosto,
o som vai nas alturas, mas a potência do idock não irrita nem os habitantes da
casa.
Aí a Japa, que ouvia as músicas, gritou:
- Que é isso? Chifre? Está com a irmã na zona?
Respondi-lhe:
- Aqui é o Serviço de Alto-Falante São Francisco, falando de Rosana para o mundo!
Então, caro leitor, nos
lembramos da pacata Rosana, não da atual que é ponto turístico do Pontal do Paranapanema,
região do Estado de São Paulo.
Eu morei por seis
anos no antigo distrito de Rosana-SP, onde lecionei. Lá conheci a Japa,
também professora, lá nos casamos diante de 3 mil habitantes. Era um oco de
mundo. Hoje tem duas hidrelétricas, 30 mil habitantes, tornou-se município.
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Odiar José - hoje |
Odair José - jovem |
Era um lugar esquecido pelas autoridades. Só Deus lembrava de Rosana para mandar enchentes, via Rio Paraná, e quando precisava de anjinhos para o céu, lá era o celeiro. Na verdade, a fome matava, Ele só ia buscar.
O Serviço de Alto Falante São Francisco, do vereador Joaquim Lopes, cuja mídia era administrada pelo filho Francisco Lopes, ficava ao pé de meu alpendre: um poste bem alto, com cornetas nas pontas. Eu ouvia recados, falecimentos, propagandas e rezas em primeira mão.
E lá vão músicas de Odair José e Pe. Zezinho. O jovem professor, o vizinho, que estava aprendendo a gostar de Caetano Veloso, Gilberto Gil, se engajando no Tropicalismo, era obrigado a ouvir músicas religiosas e breguice.
Ouvi tanto que virou saudade de uma época. Uma mentira dita várias vezes se transforma em verdade. Na perspectiva do tempo, hoje entendo melhor o Odair, qual era o seu papel. E minha aversão por ele era mesmo preconceituosa. "Pare de tomar a pílula" foi um escândalo aos ouvidos dos carolas.
Que tem você, caro leitor, com minhas saudades? Tem, sim. A arte tem a magia de imitar a vida, por isso quem sabe você também já não passou momentos como o meu, mas não escreveu. Então, o meu texto tem o condão de despertar-lhe emoções, lembranças, até encher os olhos d'água.
Não choramos diante do filme, da novela, ao ler um livro. Se você é um sujeito com mais de sessenta, com certeza esse texto lhe disse muito.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP e Itaperuna-RJ. Secretário municipal de Cultura de 2009-2016.
LETRA
Pare De Tomar A Pílula
Odair José
Já nem sei há quanto tempo
Nossa vida é uma vida só
E nada mais
Nossos dias vão passando
E você sempre deixando
Tudo pra depois
Todo dia a gente ama
Mais você não quer deixar nascer
O fruto desse amor
Não entende que é preciso
Ter alguém em nossa vida
Seja como for
Você diz que me adora
Que tudo nessa vida sou eu
Então eu quero ver você
Esperando um filho meu
Então eu quero ver você
Esperando um filho meu
(refrão)
Pare de tomar a pílula
Pare de tomar a pílula
Pare de tomar a pílula
Porque ela não deixa o nosso filho nascer (3x)
Você diz que me adora
Que tudo nessa vida sou eu
Então eu quero ver você
Esperando um filho meu
Então eu quero ver você
Esperando um filho meu
Pare de tomar a pílula
Pare de tomar a pílula
Pare de tomar a pílula
Porque ela não deixa o nosso filho nascer (3x)
Um comentário:
José Maria do Valle, de Penápolis, leu esta crônica no Diário de Penápolis e me mandou e-mail com este comentário. Ele autorizou publicar sua mensagem comentário:
26 de abr (Há 2 dias)
Meu caro Consolaro ( uia! até rimou) Por ter mais de sessenta + uma década + mais algum tempo , e saudosista na acepção
da palavra , sinto na responsabilidade de juntar-me às tuas saudades de momentos que se foram no tempo ,mas que ficaram
impregnados na alma , e que muitas vezes emergem das profundezas do âmago nos enchendo os olhos d´água.
Você mencionou Rosana ,no pontal , um vilarejo ,que conheci no começo dos anos 70 , quando eu nos meus 30 anos fui dirigindo
um Fuska , para um fazendeiro septuagenário, cliente do Banco onde eu exercia um cargo de sub-gerente , ele tinha uma
propriedade em Terra Rica, PR., seus filhos por lá moravam , a bem da verdade ele ia , brincando comigo, por ser motorista de
asfalto,pois , naquela região era estrada de terra e havia chovido e eu " barbeirava " no barro, até chegarmos na barranca do rio
onde havia uma balsa para a travessia . Tempo muito bom, uma viagem inesquecível , que volta e meia vem à tona nas minhas
lembranças. Embora não tenha ouvido, creio que o alto falante , comunicação para os habitantes , tocavam os sucessos do
momento , que doíam a testa de muitos" Don Juan " desafortunados , porém, fez-me voltar nos anos 50 eu ainda menino , fre-
quentava os parques de diversão que por aqui passavam , e o alto falante , anunciavam , recadinhos que eram cobrados para
os devidos aumentos das rendas do estabelecimento : " Alguém oferece a alguém com prova de muito amor" , "alguém oferece
para uma moça que está de sapato preto, vestido preto, cinto preto e ela também é preta " , eu na minha inocência achava
muita graça em tudo isso , neste alto falante , obviamente os "hits" da época, não faltavam, Teixeirinha com o famoso " Churrasco
de mãe " e outras tantas, na época Penápolis se tinha 30.000 pessoas era muito , hoje passando de 60.000 pessoas, pode acreditar
a ,população levou muito a sério quando ouviram e puseram em prática a música do Odair José " Pare de tomar a Pílula"
Meu caro ,gostei muito do tema abordado.
Abraços
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