AGENDA CULTURAL

14.5.15

Camila Tomashinsky, a primeira mestra de piano em Araçatuba

Odette Costa, Folha da Região, 22/2/1998 - Caderno 2, p. 4)

Camila Tomashinsky chegou à região no começo do século; ela fugiu da Rússia com o filho durante a Revolução de 1917 

Foto dos anos 40: D. Camila está sentada ao lado do piano e Dolores Castilho atrás, com a mão no ombro. Bem ao centro, D. Zora Furquim, esposa do prefeito Valadão, sentado também ao lado do piano. Bem ao fundo, identificamos o rosto do doutor Aristides Peres. À esquerda, a primeira em pé é D. Isaura Marchetti, a inesquecível artista também da culinária em Araçatuba por cinquenta anos.

Quando da Revolução Russa em 1917, sabemos que o país dava privilégios aos grandes artistas, razão por que as mais diferentes manifestações do espírito deixaram obras imorredouras, que o comunismo não conseguiu destruir.

E entre os cultores da arte, mereciam destaque os músicos e instrumentistas, para deleite dos grandes saraus nos palácios em noites memoráveis de beleza, pompa e bom gosto.

Parece incrível que D. Camila Tomashinsky e seu marido foram desses iluminados, que tocando maravilhosamente tiveram a honra de abrilhantar festas no Kremlin, executando números clássicos, ela no piano e ele, ao violino. Quem diria que uma podre pianista que morreu em Araçatuba chegou a tocar com destaque para “Czar de Todas as Rússias”.

Mas a revolução não perdoou nem os grandes talentos. Ou melhor, os teria poupado se aderissem à sua causa. Exatamente por não concordar que a família Tomashinsky fugiu em um navio cargueiro para vir para o Brasil. Dizem  os que a conheceram, que na fuga um de seus filhos teria sido fuzilado, quando alvejaram os fugitivos. Mesmo assim, sem olhar para trás, ela agarrou-se ao filho menor e conseguiram embarcar. Não sabemos se o marido também veio.

Consta que se instalou em Penápolis. E que seu filho casou-se com uma moça chamada Nina. Ela conviveu sempre com o casal, pois a nora tendo aprendido piano, também lecionava para as alunas menores. Muitas de suas alunas de piano se tornaram professoras, como Dolores Castilho e Débora Guarinon.

Ela impressionava as alunas e as suas famílias com as quais convivia pela maneira de ser, resultante da educação rígida que recebeu, naturalmente em meio a pessoas importantes e dentro dos padrões culturais daquela época.

O que é interessante ressaltar é que a par de toda essa formação ela era extremamente católica, com uma noção muito arraigada dos deveres cristãos , a ponto de viver em voto de pobreza e de amor ao próximo. As vicissitudes não lhe esfriaram o ânimo apostólico e ela manteve uma visão muito límpida do que se deve ou não fazer para ser útil ao meio em que se vive. Foi ministra da Ordem Terceira Franciscana, visitando os membros da irmandade e pregando as virtudes do bom cristão. O filho também foi muito culto. Era numismata, filatelista  e enxadrista.

Ela faleceu em 5 de janeiro de 1958 e seu enterro no dia seguinte foi dos mais concorridos, pelos méritos que tinha junto à sociedade de Araçatuba, terra que ela escolheu para viver as saudades da Rússia e a emoção dos seus últimos dias. 

Algumas observações deste blogueiro (Hélio Consolaro, secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP):

  1. Camila Tomashinsky empresta o nome a uma escola municipal em Araçatuba (Emeb) que na rua Bolívia, bairro Aclimação. 
  2. Dizem que Odette Costa fazia apenas registro dos bem-sucedidos na vida, os vencidos passavam ao largo de suas preocupações. É verdade, pois seu viés era de uma colunista social, portanto, os bacanas eram prestigiados por ela. Mas se ela não tivesse uma preocupação histórica, nem a elite da cidade teria a sua história registrada.
  3. Araçatuba é uma cidade bem musical. Nela, ocupava lugar privilegiado o piano. Nem que fosse uma preocupação de moças de famílias bem aquinhoadas, mas até hoje sentimos isso na cultura araçatubense. Camila Tomashinsky foi uma das responsáveis pela presença do piano (hoje, teclado) na cidade.  
  4. Pela legenda da foto, percebemos que as personalidades nela já nem são lembradas pelas novas gerações. A cidade se renovou, mas não podemos deixar que sua história, feita por vencidos e vencedores, caiam no esquecimento.

Um comentário:

Carol disse...

Que incrível achar esta matéria... minha avó, d.Heloisa (hoje com 91 anos), está nessa foto ao lado da sra. Dolores. Me contou na presente data que teve aulas de piano com a d. Camila e que participava dos recitais que ela promovia. Uma vez, disse que gostaria de aprender Chopin, mas d. Camila retrucou dizendo que somente quando ela estivesse apaixonada. Quando minha avó se casou, presenteou-a com partituras do compositor! Obrigada pela matéria.