AGENDA CULTURAL

3.7.15

Renan Inquérito - rapper brasileiro excursiona pela América Latina


Renan Inquérito esteve em Araçatuba na Jornada de Literatura de 2013/setembro

Era pouco mais de meio-dia do sábado, 4 de abril, quando o rapper paulista Renan Inquérito desembarcou no Aeroporto Internacional José Martí, em Havana, capital cubana, com duas missões: participar do XV Encontro de Geógrafos de América Latina – em que havia se inscrito para apresentar um trabalho acadêmico fruto de seu doutorado em Geografia na UNESP dois dias depois –, e conhecer os membros do grupo de rap local La Invaxión, cujo trabalho tinha sido apresentado a ele por um conhecido cubano residente em Montevidéu, no Uruguai: o DJ Mala Bizta, que, em uma reunião em janeiro, convidou Inquérito para gravar uma música e um clipe quando fosse a Cuba.
Renan se empolgou com os sons que ouviu dos músicos cubanos e se debruçou em uma possível batida de hip-hop para usar na parceria com os rappers cubanos. Para isso, teve a ajuda do seu produtor, DJ Duh, que afinou o seu último disco, Corpo e Alma, lançado no ano passado e que conta com participações de Arnaldo Antunes, Rael, KL Jay, do Racionais, Roberta Estrela D´Alva e Alexandre Carlo, do Natiruts. Quando chegaram a Havana, nos primeiros dias de abril, faltava apenas apresentar a ideia da canção aos integrantes do La Invaxión e, se eles gostassem, gravá-la. “Cheguei a mandar o beat para eles antes de ir, mas a internet lá é tão precária que não conseguiram fazer o download do arquivo. Assim que me encontrei com um dos caras, mostrei o que tinha feito. Fomos para o lugar onde estavam os outros integrantes e, dentro do táxi, fomos ouvindo o beat no celular. Falei: ‘Olha, a gente poderia bolar um refrão juntos. Algo que unisse os dois países’. Comecei a cantarolar algo em português e ele a mesma coisa em espanhol. Ali já saiu o refrão da música”, conta Inquérito.
Em cinco dias em Havana, com todos os improvisos possíveis – o que deu um tom romântico à viagem que Inquérito gosta de enfatizar – ele e os cubanos do La Invaxión gravaram e filmaram o clipe de Uma Só Voz, divulgado no Youtube no início de junho e que já tem 15 mil visualizações no site de compartilhamento de vídeos. Nela, há referências à integração latinoamericana (Por uma América livre/ Norte e Sul e Caribe/ Para que o olho brilhe), o embargo econômico dos Estados Unidos à ilha (Antes que o mundo pire/ Sem fronteiras, sem embargo, sem barreiras/ O rap é nosso passaporte e nossa bandeira) e ao socialismo.
“Fui para participar do congresso, mas fui consumido pela música”, admite, aos risos, Inquérito. “Compareci ao dia da inscrição, que era obrigatório, e depois não voltei mais. Os outros dias foram entrando na casa das pessoas e pedindo para usar o banheiro, pedindo para usar tomada, pedindo objetos emprestados para usar no clipe. Foi muito louco”, completa. A música foi gravada em um período de sete horas, na terceira noite em Havana, uma segunda-feira que se estendeu até a madrugada de terça, em um estúdio improvisado na casa de um amigo do grupo cubano. No dia seguinte, ainda pela manhã, o diretor do clipe, Mandefro, conseguiu uma Kombi com um guia que os levaria para uma recorrida pelos principais pontos da cidade em busca dos melhores lugares para filmar.
“Esse clipe foi ao melhor estilo Glauber Rocha, saca? Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça, saímos de carro olhando os picos, aqueles casarões, aqueles cortiços, aquelas ruas de paralelepípedos, tudo. A gente via monumentos, praças, parava e falava: ‘Vamos gravar aqui!’. Mano, a gente gravou com uma GoPro pendurada em um pau de selfie que fazia o efeito de grua. Foi muito nesse esquema”, conta.
Tudo o que aparece no clipe é fruto de uma história de improviso e, consequentemente, de uma áurea de romance: o Cadillac Eldorado 1965 com chassi vinho que aparece no começo do vídeo era de um homem qualquer que foi interceptado por Mandefro em uma das ruas da cidade para emprestar o carro para as gravações. “O dono nem deixou a gente dirigir e disse que só tinha uma hora. Fizemos tudo naquele tempo”. As crianças uniformizadas que cantam atrás de Renan em umas das vielas estavam indo, de fato, para a aula, mas ficaram encantadas com a música e pediram ao professor que as acompanhava para participar do vídeo. “Quando ele, enfim, deu permissão, eles saíram correndo e gritando. Todo mundo feliz. Foi lindo”. Os operários que dançam em cima de um prédio são cenas reais de trabalhadores que, da mesma forma, pararam o trabalho para ouvir a música e acompanhar a gravação do clipe, naquele momento feita nas ruínas de outro edifício. “A gente flagrou várias pessoas assim, mas não deu pra filmar todo mundo. No final a gente ainda pegou uma tiazinha lá que estava passando e começou a dançar, depois seguiu seu caminho sem que nada tivesse acontecido. A gente colocou no fim do vídeo. Isso deu uma verdade para o clipe que achei bem bacana. Porque é um clipe espontâneo, sem roteiro, muito mais intuitivo, muito mais coração, não tem nada dessas porras todas”, empolga-se, novamente, Inquérito.
A viagem significou tanto para Renan, que a ideia de gravar com músicos de outros países latino-americanos se tornou um projeto. Neste fim de semana, ele toca no Festival Latinoamericano Del Ritmo, em Buenos Aires, na Argentina. Lá, pretende encontrar artistas dispostos a produzir uma mescla de tango com hip-hop e, assim, gravar um clipe nos mesmos moldes de Uma Só Voz. É o início de um desejo ainda maior do rapper. “Se eu pudesse, passaria por todos os países da América Latina. Principalmente onde o rap é mais forte, como o Chile, a Colômbia, a Venezuela. Se você pensar, todos esses países têm um histórico cultural riquíssimo e uma política efervescente. Olha a Venezuela aí, a Bolívia…”, diz. “A gente tem um fascínio pela América Latina: pelo povo, pela cultura, pela geografia, e todas essas coisas que nos chegam pela música e pelo cinema, por exemplo. A ideia é tentar misturar o rap com as músicas locais, convidando músicos de cada país sem que eles necessariamente mexam com rap”, finaliza.
Clipe de Uma Só Voz:



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