Alfaiate apressado e outros poemas

Capa do livro

Antonio Luceni

antonio.escritor@hotmail.com

A 7ª Jornada da Literatura de Araçatuba continua a ecoar na cidade. Seja por meio das muitas postagens feitas no Facebook pelos participantes dela, ou ainda a partir espólio material deixado nas muitas publicações impressas do projeto. Como essa coluna é de uma academia de Letras, gostaria de fazer o recorte literário impresso, ou seja, em relação a alguns livros lançados na Jornada.

Começo pelo livro de Fernando Verga, “O alfaiate apressado e outros poemas”.

Amanda (esposa) e Fernando Verga

O livro é direcionado ao público infantojuvenil, mas como disse o poeta José Paulo Paes, poesia (a boa poesia) serve para todas as idades. E isso bem se aplica ao livro de Verga. Escrito de forma honesta e clara e visualmente agradável (o autor também é responsável pelas ilustrações), a obra é composta por quatorze poemas, todos eles tendo como motivação a história de vida e as provocações feitas pelo Alfaiate Apressado.

As poesias, construídas como algo a que poderíamos chamar de poemas prosadores ou narrativos, cujo eu-poemático se apresenta na condição de um observador que, de longe, se diverte a partir das ações da personagem central, atraem o leitor já nos primeiros versos. Na qualidade de espectador, esse eu-poemático tem o privilégio de perceber o todo, nuanças que fogem até mesmo do Alfaiate, seja por este estar com pressa, seja por que está tão absorto no que faz que se desliga de seu entorno.

Fernando Verga e o prefeito na manhã de lançamento do livro, 15/09/2015

As histórias contadas pelo autor em seus poemas bem poderiam ser vividas por qualquer um de nós, como em “O quintal”, no qual descreve uma casa misteriosa, rodeada de medos e segredos; ou em “O cão carente”, a partir do qual narra a história de um cãozinho de estimação e a relação que mantém com seus donos; ou ainda em “A praça”, que bem lembra qualquer tarde no fim de domingo e a nostalgia que lhe é própria. Mas é aí onde está a qualidade do texto e do escritor: isso tudo é oferecido ao leitor de forma delicada, estética e tão bem resolvida literariamente, seja a partir das rimas, construções dos versos e estrofes, ou qualquer outro elemento próprio de bons poemas.

Na perspectiva das personagens, Fernando Verga irá materializá-las em forma de espaços, objetos, bichos e pessoas da relação do Alfaiate Apressado, como em “A agulha”, no qual descreve a labuta e alegria de uma agulha e seu ofício (lembrei do apólogo “A Agulha e a Linha” de Machado de Assis); em “Panapanã”, a partir do qual lança luzes para essa personagem tão próxima do universo infantil e tão difundida em obras dirigidas para esse público; mas também há sangue, há cansaço, há alegria e emoções próprias dos humanos, como no poema “Sonhadora velhinha”, cujo enfoque se dá a partir da iniciativa da anciã em colorir as casas da vila e, assim, melhorar a vida de seus vizinhos; ou em “A esposa do alfaiate”, no qual descreve as qualidades da esposa do Alfaiate em contraponto às habilidades do costureiro, reforçando a máxima dos “opostos se atraem”.

Alex Guru, Fernando Verga e Antônio Luceni (este articulista)

O tempo e o espaço dos poemas estão no nível do “faz de conta”, ou seja, não há prejuízo em se dizer, por exemplo, “Mas que vila no fim do mundo!” (A alfaiataria encantada), ou “Estava num beco apertado/ e nada via do outro lado./ Mas, quem diria?/ No muro uma maçaneta havia!” (O jantar na casa escondida), e ainda “A rua de cor amarela/ ele pintou com bravura/ e fez de cada esquina/ uma grande aventura.” (Passeando pela rua), só para citar alguns.

Parentes de Fernando Verga, moradores de Braúna 

Por último, mas não por fim, gostaria de chamar a atenção para sequência de apresentação dos poemas; num primeiro olhar meio sem lógica, já que mistura poemas mais ligados ao “mundo real” e outros mais fantasiosos, num jogo de vai e vem próprio do universo infantil, sem muitas regras, sem muitas razões, mas pelo simples fato de ora estar com os “pés no chão” e ora, sem ter medo de assim o ser, estar em um “outro universo”, com outras personagens tão distintos dos de antes.

E se o livro começa com o eu-poemático nos introduzindo à cidade e ao universo do Alfaiate Apressado, é no fim dele – já familiarizado com tudo e com todos – que ficamos mais à vontade, mais acolhidos e fechamos a leitura numa praça, tão confortáveis quanto o livro nos faz sentir. Mas não se engane: não há regras para ler o livro; comece por onde você quiser; leia cada poema como se único no livro fosse; no fim, você verá que tudo é uma coisa só: a gostosura que é ler e viver literatura.

Antonio Luceni é acadêmico da Academia Araçatubense de Letras – AAL e diretor da União Brasileira de Escritor – UBE. Especialista em Literatura Infantojuvenil (Unesp) e mestre em Letras/Estudos Literários (UFMS). É autor de, entre outros, “Júlia à procura da consciência perdida” (AAL/Apeoesp) e “Poesia, pipoca e pião” (Somos/PMA).