Prestes a completar 100 anos, ex-vereador acha que a população deveria fiscalizar mais seus eleitos
JORNAL O LIBERAL, ARAÇATUBA, 17/11/2015
"Fui vereador em um tempo em que não se ganhava para
exercer o cargo e a gente trabalhava muito". A frase chama a atenção,
ainda mais em uma época onde o país provavelmente atravessa a maior crise
política de sua história, com enorme descrédito sobre boa parte da classe
política.
Quem a falou, e faz questão de provar o que diz, é o ex- vereador e
ex-presidente da Câmara de Araçatuba, José Ferreira Baptista Júnior, mais
conhecido como Ferreirinha, que ao meio-dia do próximo 31 de dezembro
completará um século de vida. Na tarde de sexta-feira passada ele abriu as
portas de sua casa à reportagem do O Liberal Regional para falar um pouco sobre
política e da forma como enxerga hoje a sociedade e a cidade onde ele vive há
90 anos.
José Ferreira é filho de portugueses. O pai dele deixou a
terra natal não pensando em voltar mais. O primeiro salário foi repassado ao
avô de Ferreirinha, que foi quem emprestou dinheiro para a viagem.
Ferreirinha
Nasceu em um sítio em Birigui, o primeiro de oito filhos. A família se mudou em
janeiro de 1925 para Araçatuba, após o pai comprar uma máquina que beneficiava
arroz e café e se basear em um imóvel no começo da Rua Bandeirantes.
Lá também
fazia a moagem do milho. "A italianada de Araçatuba vinha com um saco com
milho pra trocar por fubá e fazer polenta", lembra Ferreirinha.
Ele cursou o primário em Araçatuba e como aqui não tinha o
ginásio foi para Campinas (SP), onde estudou no Ateneu Paulista e depois no
Cesário Motta, duas instituições bastante respeitadas na época.
Mais tarde, Ferreirinha estudou Direito e não demorou para descobrir sua vocação de
político. Foi membro da primeira legislatura na cidade, casa onde ocupou a
presidência.
POLÍTICA
Sua vida política foi marcada pela principal bandeira de
luta: o fim do pagamento de salário para os vereadores. Ferreirinha mesmo hoje
não arreda pé de suas convicções. "O vereador é um servidor público, se
reúne uma vez por semana, como vai ter ordenado?", pergunta com
indignação. "Quando eu tive ordenado eu doava para instituições de
caridade e tenho recebidos guardados", afirma.
Questionado quanto à possibilidade de algum dia o vereador
de Araçatuba deixar de receber salário (ou subsídio, como alguns gostam de
dizer), a resposta é rápida: "Eu acho que não vai acontecer isso nunca,
todo mundo quer ordenado, o pessoal entra lá e a primeira coisa que querem é o
ordenado", fala.
José Ferreira tem orgulho de mostrar a pasta de capa verde
onde estão vários recortes de jornais com reportagens sobre sua trajetória
política. Uma delas, que saiu em janeiro de 1980, chama a atenção. Trata da
escolha de Ferreirinha como o melhor vereador de 1979. E ele garante que a
escolha foi merecida. "Eu fui vereador e sempre trabalhei muito. Eu
investigava, eu visitava os bairros, levava os problemas para a Câmara",
contou.
FISCALIZAÇÃO
Mesmo afastado da política há algum tempo, Ferreirinha faz
questão de acompanhar as sessões da Câmara sempre que pode. É um gesto que,
segundo ele, mais pessoas deveriam fazer. "A população só lamenta, critica
os erros, mas fica só nisso. Precisaria ter mais ação, fiscalizar seus
candidatos eleitos e não reeleger os maus políticos, esse seria o pior castigo
para eles", acredita.
Ferreirinha também lembra que foi candidato a prefeito e
deputado, mas não venceu. "Eu não queria ser candidato a prefeito, mas
como era líder do partido de Penápolis até Andradina, na minha ausência o
partido se reunia e lançava o meu nome. Eu falava: não posso ser candidato a
prefeito. Precisa gastar muito. Eu não tenho dinheiro pra gastar. Tenho família
grande pra gastar. Fiz alguma coisa, soltei por aí e mais nada", falou.
ARAÇATUBA
Quase completando um século de vida, José Ferreira Baptista
(fala com entonação especial no 'p' para que não seja ignorado) confia no
crescimento de Araçatuba que só é sete anos mais velha do que ele. Para ele, o
que faz a diferença por aqui é a sua gente. "Desde o começo Araçatuba se
desenvolveu mais do que as outras cidades da região. Isso desde o começo. É um
pouco da vocação do pessoal da cidade. É o povo que faz a cidade e faz a cidade
progredir também".
O que mais o deixa desapontado é o mau comportamento de
algumas pessoas, que picham, jogam lixo no chão ou simplesmente não fiscalizam
e ajudam a cuidar da cidade.
Em um país, onde nas suas palavras, "o povo não liga e
não dá importância pra história", José Ferreira gostaria de ser lembrado
pelas futuras gerações não pelas realizações na política, mas sim pelo caráter.
"Gostaria que as pessoas lembrassem de mim pelas
qualidades positivas que eu posso ter tido. Eu sinto que tenho um nome
respeitado, pelo modo como me tratam. Sempre tive uma conduta honesta e correta
na vida particular e pública".
Teve mais: foram oito filhos - quatro mulheres e quatro
homens - e todos estão formados. Perguntado sobre a quantidade de netos e
bisnetos, ele responde com um sorriso: "Uma porção deles". Como a
esposa Maria Amanda Ferreira Baptista, que morreu há mais ou menos dois meses
com 92 anos, foram 70 anos de parceria.
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