AGENDA CULTURAL

24.7.16

Quem tem medo do feminismo negro?

Djalmila Ribeiro, mestre em filosofia política, ativista feminista e secretária-adjunta de Direitos Humanos de São Paulo.Foto de RICARDO MATSUKAWA 
Por Djamila Ribeiro - Carta Capital

A necessidade de entender que existem várias mulheres e especificidades

O feminismo negro começa a ganhar força a partir da segunda onda do feminismo, entre 1960 e 1980, por conta da fundação da National Black Feminist, nos EUA, em 1973  e porque feministas negras passaram a escrever sobre o tema criando uma literatura feminista negra.  Porém, gosto de dizer que bem antes disso, mulheres negras já desafiavam o sujeito mulher determinado pelo feminismo.

Em 1851, Sojourner Truth, ex escrava que tornou-se oradora, fez seu famoso discurso intitulado “E eu não sou uma mulher?” na Convenção dos Direitos das Mulheres em Ohio. Dentre alguns questionamentos, ela diz: “Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é preciso carregar elas quando atravessam um lamaçal e elas devem ocupar sempre os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher? Olhem para mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros e homem nenhum conseguiu me superar! E não sou uma mulher? Eu consegui trabalhar e comer tanto quanto um homem - quando tinha o que comer - e também agüentei as chicotadas! E não sou uma mulher? Pari cinco filhos e a maioria deles foi vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe, ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E não sou uma mulher?”
Sojourner Truth
Ou seja, já anunciava que a situação da mulher negra era radicalmente diferente da situação da mulher branca. Enquanto àquela época mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto, ao trabalho, mulheres negras lutavam para serem consideradas pessoas. No Brasil, o feminismo negro começa a  ganhar força nos anos 80. Segundo Núbia Moreira, “A relação das mulheres negras com o movimento feminista se estabelece a partir do III Encontro Feminista Latino-americano ocorrido em Bertioga em 1985, de onde emerge a organização atual de mulheres negras com expressão coletiva com o intuito de adquirir visibilidade política no campo feminista. A partir daí, surgem os primeiros Coletivos de Mulheres Negras, época em que aconteceram alguns Encontros Estaduais e Nacionais de mulheres negras.

Em momentos anteriores, porém, há vestígios de participação de mulheres negras no Encontro Nacional de Mulheres, realizado em março de 1979. No entanto, a nossa compreensão é que, a partir do encontro ocorrido em Bertioga, se consolida entre as mulheres negras, um discurso feminista uma vez que em décadas anteriores havia uma rejeição por parte de algumas mulheres negras em aceitar a identidade feminista”.  E isso acontecia devido ao fato de não se identificarem com um movimento até então majoritariamente branco e de classe média e pela falta de empatia em perceber que mulheres negras possuem pontos de partidas diferentes, especificidades que precisam ser priorizadas.

Existe ainda por parte de muitas feministas brancas uma resistência muito grande em perceber que apesar do gênero nos unir, há outras especificidades que nos separam e afastam. Enquanto feministas brancas tratarem a questão racial como birra, disputa, em vez de reconhecerem seus privilégios e pontos de partida, o movimento não avança, só reproduz as velhas e conhecidas lógicas de opressão. Em O Segundo sexo Beauvoir diz: “se a questão feminina é tão absurda é porque a arrogância masculina fez dela uma querela e quando as pessoas querelam não raciocinam bem”. E eu atualizo para a questão das mulheres negras: se a questão das mulheres negras é tão absurda é porque a arrogância do feminismo branco fez dela uma querela e quando as pessoas querelam não raciocinam bem.

Em obras sobre feminismo no Brasil é muito comum não encontrarmos nada falando sobre feminismo negro e isso é sintomático, feminismo pra quem? É necessário de uma vez por todas entender que existem várias mulheres contidas nesse ser mulher e romper com essa tentação de universalidade que só exclui. Há grandes estudiosas, pensadoras (es) como Sueli Caneiro, Jurema Werneck, Núbia Moreira, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Luiza Bairros Cristiano Rodrigues, Audre Lorde, Patricia Hill Collins e Bell Hooks que produziram e produzem grandes obras e reflexões.
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Para quem quiser conhecer mais, acesse: Blogueiras Negras,  Afronta,  Pega no Meu Power e Entre Luma e Frida.


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