Djalmila Ribeiro, mestre em filosofia política, ativista feminista e secretária-adjunta de Direitos Humanos de São Paulo.Foto de RICARDO MATSUKAWA |
Por Djamila Ribeiro - Carta Capital
A necessidade de entender que existem várias mulheres e especificidades
O feminismo negro começa a ganhar força a partir da segunda
onda do feminismo, entre 1960 e 1980, por conta da fundação da National Black
Feminist, nos EUA, em 1973 e porque feministas negras passaram a escrever
sobre o tema criando uma literatura feminista negra. Porém, gosto de
dizer que bem antes disso, mulheres negras já desafiavam o sujeito mulher
determinado pelo feminismo.
Em 1851, Sojourner Truth, ex escrava que tornou-se oradora,
fez seu famoso discurso intitulado “E eu não sou uma mulher?” na Convenção dos
Direitos das Mulheres em Ohio. Dentre alguns questionamentos, ela diz: “Aquele
homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é
preciso carregar elas quando atravessam um lamaçal e elas devem ocupar sempre
os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar
por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher? Olhem para
mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros e
homem nenhum conseguiu me superar! E não sou uma mulher? Eu consegui trabalhar
e comer tanto quanto um homem - quando tinha o que comer - e também agüentei as
chicotadas! E não sou uma mulher? Pari cinco filhos e a maioria deles foi
vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe, ninguém, a não ser
Jesus, me ouviu! E não sou uma mulher?”
Sojourner Truth |
Em momentos anteriores, porém, há vestígios de participação
de mulheres negras no Encontro Nacional de Mulheres, realizado em março de
1979. No entanto, a nossa compreensão é que, a partir do encontro ocorrido em
Bertioga, se consolida entre as mulheres negras, um discurso feminista uma vez
que em décadas anteriores havia uma rejeição por parte de algumas mulheres
negras em aceitar a identidade feminista”. E isso acontecia devido ao fato
de não se identificarem com um movimento até então majoritariamente branco e de
classe média e pela falta de empatia em perceber que mulheres negras possuem
pontos de partidas diferentes, especificidades que precisam ser priorizadas.
Existe ainda por parte de muitas feministas brancas uma
resistência muito grande em perceber que apesar do gênero nos unir, há outras
especificidades que nos separam e afastam. Enquanto feministas brancas tratarem
a questão racial como birra, disputa, em vez de reconhecerem seus privilégios e
pontos de partida, o movimento não avança, só reproduz as velhas e conhecidas
lógicas de opressão. Em O Segundo sexo Beauvoir diz: “se a
questão feminina é tão absurda é porque a arrogância masculina fez dela uma
querela e quando as pessoas querelam não raciocinam bem”. E eu atualizo para a
questão das mulheres negras: se a questão das mulheres negras é tão absurda é
porque a arrogância do feminismo branco fez dela uma querela e quando as
pessoas querelam não raciocinam bem.
Em obras sobre feminismo no Brasil é muito comum não
encontrarmos nada falando sobre feminismo negro e isso é sintomático, feminismo
pra quem? É necessário de uma vez por todas entender que existem várias
mulheres contidas nesse ser mulher e romper com essa tentação de universalidade
que só exclui. Há grandes estudiosas, pensadoras (es) como Sueli Caneiro,
Jurema Werneck, Núbia Moreira, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Luiza
Bairros Cristiano Rodrigues, Audre Lorde, Patricia Hill Collins e Bell Hooks
que produziram e produzem grandes obras e reflexões.
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Para quem quiser conhecer mais, acesse: Blogueiras Negras,
Afronta, Pega no Meu Power e Entre Luma e
Frida.
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