AGENDA CULTURAL

7.1.17

Disfarçado de Papai Noel


Hélio Consolaro*

Os fogos anunciavam a meia-noite, era Natal. A festa no rancho estava tamanha que após a entrega de presentes por Raimundo, um policial aposentado, membro do grupo, fantasiado de Papai Noel, todos resolveram extravasar aquela alegria por todo o condomínio, passeando pelas ruas sem calçamento. Buzinando, gritando, fazendo aquela farra.

Todos na camionete. Gente na carroceria, sem cobertura, ao lado do Papai Noel, motorista dirigindo alcoolizado. Outros carros a seguiam. Uma caravana fora da lei. Até que alguém pulou na frente do primeiro veículo, forçando o motorista parar:

- Papai Noel, venha entregar os presentes aqui no meu rancho – gritou a mãe desejosa de proporcionar alegria aos seus.

Vai, não vai, vai! Assim, todos desceram de seus veículos e Papai Noel da camionete e fizeram a entrega dos presentes que a mãe havia comprado, distribuindo mais alegria. Comeram e beberam mais um pouco, e as crianças não cabiam em si de tanta alegria. 

A bagunça era geral no grupo, mas não sabiam que a polícia estava atrás de presidiários beneficiados pela “saidinha” natalina que fizeram alguns roubos no condomínio. Foram cercados por duas viaturas policiais.

- Descem todos!!! – gritou um policial.

- Mãos para cima – berrou outro. 

- Pega o velhinho, o fugitivo deve estar disfarçado de Papai Noel – ordenou o sargento!

Sem conversar, exigir documentos, naquele momento de raiva de ter que buscar bandidos soltos numa noite de Natal, os policiais pegaram o bom velhinho no sopapo, safanão, não economizaram cassetete. Mulheres gritando, crianças chorando, todos queriam explicar ao mesmo tempo.


E Raimundo gritava:

- Sou policial também, sou policial!

Os gritos de Raimundo não contiveram a raiva dos policiais.  Até que ele perdeu quase toda a roupa da fantasia de São Nicolau. Um dos soldados gritou:

- É mesmo o cabo Raimundo, sargento!

Pararam de bater. Sargento logo disse:

- Por que você não falou, home?

Raimundo apenas esbravejava:

- E o senhor ouvia, sargento? Eu que sempre defendi a Polícia Militar, briguei com muita gente dizendo, ou melhor, mentindo que ela não era violenta, tive que cair no cassetete para ver a realidade!

- Que é isso, cabo Raimundo. Você sempre foi um policial exemplar, dizendo essas coisas...

Num dos ranchos, estava o jornalista mais ranzinza da cidade, o Zequinha, correu para ver o que estava acontecendo na aglomeração com a presença de duas viaturas policiais. Não era mais possível encobrir o fato.

Na próxima edição, jornal, rádio e televisão dava a notícia para toda a cidade que de tão trágica se tornava engraçada. Na primeira página, foto de Papai Noel todo machucado, com restos de sua fantasia ainda no corpo e a seguinte manchete: Polícia espanca Papai Noel.

Os motoristas ficaram com dó de Papai Noel, mas vibraram pelas pancadas dadas no cabo Raimundo, o policial que mais multava no trânsito das ruas da cidade.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.

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