Hélio Consolaro*
Os fogos anunciavam a meia-noite, era Natal. A festa no
rancho estava tamanha que após a entrega de presentes por Raimundo, um policial
aposentado, membro do grupo, fantasiado de Papai Noel, todos resolveram extravasar
aquela alegria por todo o condomínio, passeando pelas ruas sem calçamento.
Buzinando, gritando, fazendo aquela farra.
Todos na camionete. Gente na carroceria, sem cobertura, ao
lado do Papai Noel, motorista dirigindo alcoolizado. Outros carros a seguiam. Uma
caravana fora da lei. Até que alguém pulou na frente do primeiro veículo,
forçando o motorista parar:
- Papai Noel, venha entregar os presentes aqui no meu rancho
– gritou a mãe desejosa de proporcionar alegria aos seus.
Vai, não vai, vai! Assim, todos desceram de seus veículos e
Papai Noel da camionete e fizeram a entrega dos presentes que a mãe havia
comprado, distribuindo mais alegria. Comeram e beberam mais um pouco, e as
crianças não cabiam em si de tanta alegria.
A bagunça era geral no grupo, mas não sabiam que a polícia
estava atrás de presidiários beneficiados pela “saidinha” natalina que fizeram alguns
roubos no condomínio. Foram cercados por duas viaturas policiais.
- Descem todos!!! – gritou um policial.
- Mãos para cima – berrou outro.
- Pega o velhinho, o fugitivo deve estar disfarçado de Papai
Noel – ordenou o sargento!
Sem conversar, exigir documentos, naquele momento de raiva
de ter que buscar bandidos soltos numa noite de Natal, os policiais pegaram o
bom velhinho no sopapo, safanão, não economizaram cassetete. Mulheres gritando,
crianças chorando, todos queriam explicar ao mesmo tempo.
E Raimundo gritava:
- Sou policial também, sou policial!
Os gritos de Raimundo não contiveram a raiva dos
policiais. Até que ele perdeu quase toda
a roupa da fantasia de São Nicolau. Um dos soldados gritou:
- É mesmo o cabo Raimundo, sargento!
Pararam de bater. Sargento logo disse:
- Por que você não falou, home?
Raimundo apenas esbravejava:
- E o senhor ouvia, sargento? Eu que sempre defendi a
Polícia Militar, briguei com muita gente dizendo, ou melhor, mentindo que ela
não era violenta, tive que cair no cassetete para ver a realidade!
- Que é isso, cabo Raimundo. Você sempre foi um policial
exemplar, dizendo essas coisas...
Num dos ranchos, estava o jornalista mais ranzinza da
cidade, o Zequinha, correu para ver o que estava acontecendo na aglomeração com
a presença de duas viaturas policiais. Não era mais possível encobrir o fato.
Na próxima edição, jornal, rádio e televisão dava a notícia
para toda a cidade que de tão trágica se tornava engraçada. Na primeira página,
foto de Papai Noel todo machucado, com restos de sua fantasia ainda no corpo e
a seguinte manchete: Polícia espanca Papai Noel.
Os motoristas ficaram com dó de Papai Noel, mas vibraram
pelas pancadas dadas no cabo Raimundo, o policial que mais multava no trânsito
das ruas da cidade.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro
da Academia Araçatubense de Letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário