Carta ao ministro da Justiça
5 de Janeiro de 2017
Excelência: fui preso comum. Sim, a ditadura, que não
respeitava direitos, me transferiu da prisão política para a comum. Em dois
anos, passei pela Penitenciária do Estado de São Paulo, Carandiru e
Penitenciária de Presidente Venceslau (SP), a mesma que hoje abriga o comando
do PCC.
É verdade, faz tempo que vivi em nosso sistema prisional.
Mas de lá pra cá pouco mudou. Só piorou. E os governos do Brasil democrático
tomaram uma única medida, a mesma que o presidente Temer anunciou há pouco:
construir novas cadeias. Agora mesmo, frente ao massacre no Amazonas, já
conhecido como “Carandiru 2”, o que fez o governo federal? Propôs a construção
de mais duas penitenciárias naquele estado.
Hoje o Brasil abriga 660 mil presos. A continuar a enxugar
gelo, ou seja, aliviar os efeitos da criminalidade sem combater as causas,
daqui a pouco serão 1 milhão. A solução é polvilhar nosso território de
presídios?
Há quem proponha entregar o sistema prisional à iniciativa
privada. Aliás, a penitenciária Anísio Jobim, em Manaus, na qual foram
trucidados 56 presos, funciona em parceria público-privada. Esse modelito,
adotado nos EUA, vem sendo revisto pelo Tio Sam. Como a empresa recebe do
Estado segundo o número de detentos que administra, quanto mais lotada a
prisão, maior o lucro...
Sou a favor da parceria público-privada em outros termos.
Transformar cada penitenciária em oficina-escola. Tirar os detentos da
ociosidade. Em convênio com empresas, fazer funcionar ali dentro oficinas de
fabricação de brinquedos, bicicletas e velocípedes, material esportivo,
artesanato etc., mediante remuneração salarial. E aulas de ensinos fundamental
e médio, idiomas, culinária, teatro, dança etc. E, de acordo com a lei,
regressão da pena a cada etapa vencida.
Muitos ingressariam nessas atividades movidos, inicialmente,
pelo interesse de encurtar o tempo entre as grades. Porém, oficinas e cursos
haveriam de mudar-lhes o modo de pensar e agir, recuperando-os ao convívio
social.
Utopia? Não, experiência. Basta analisar o índice de
reincidência criminal daqueles que, em Presidente Venceslau, passaram pelo
curso de ensino médio e as oficinas de pintura, teatro e estudos bíblicos.
Todos administrados por nós, meia-dúzia de presos políticos, inseridos na massa
carcerária.
*Frei Betto é escritor, autor de Batismo de Sangue (Rocco),
entre outros livros
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