É um indivíduo de 70 anos, com o desenvolvimento
emocional de, bom, talvez não de um recém-nascido, e sim de um menino malcriado
de primário
JOHN CARLIN - Jornal El País - Espanha
O presidente eleito em Washington, nesta quinta-feira, com
sua esposa Melania Trump.
Quando o espanhol médio sofre um dos seus habituais ataques
de indignação, a primeira exclamação que costuma sair da sua boca é “Não é
normal!”, seguida, com reiterativa ênfase, de um, “isto não é normal, joder!”.
A frase, curiosa, já que parte da noção de um acordo unânime sobre o que é a
normalidade, não se ouve tanto nos demais países de fala hispânica, nem, que eu
saiba, em outras línguas.
Mas talvez tenha chegado a hora de que o inglês a incorpore
ao seu léxico, especialmente nos Estados Unidos. A
ascensão de Donald
Trump à presidência é o menos normal que já ocorreu na história desse
país. Talvez seja o menos normal que já ocorreu numa democracia, ou numa
democracia supostamente madura, na história da humanidade.
Calígula chegou ao topo do poder na Roma antiga, é verdade;
como também chegaram Idi Amin em Uganda, ou o general Galtieri
na Argentina, ou
Stroessner no Paraguai.
A diferença é que Trump foi eleito comandante-em-chefe (commander in chief)
por livre vontade dos cidadãos.
O anormal não tem tanto a ver com as opiniões ou políticas
que Trump propõe. O mais anormal da sua
chegada à Casa Branca não é a sua admiração por Vladimir “os russos têm as
melhores prostitutas do mundo” Putin, nem seu
desprezo pela OTAN e a União Europeia, nem
sua hostilidade
contra a China, nem que irá se cercar no Salão Oval de assessores da
direita mais rançosa, nem seu desejo declarado de construir um muro
na fronteira com o México, romper o acordo nuclear com o Irã e dinamitar
o sistema de saúde pública do seu país.
O mais anormal é sua personalidade. Que o país mais rico,
mais poderoso e mais influente do planeta tenha como presidente um homem-bebê, um
“man baby”, como o definiu com aterradora lucidez o humorista político
norte-americano Jon Stewart. Trump é um homem de 70 anos com o desenvolvimento
emocional de, bom, talvez não de um recém-nascido, e sim de um menino malcriado
de primário.
Há muitos anos acompanho com interesse os presidentes dos
Estados Unidos. Recordo minha desilusão quando Richard Nixon chegou
ao poder; minha sensação de ridículo quando foi substituído por Gerald Ford, um
homem, como diziam, “incapaz de mascar chiclete e caminhar em linha reta ao
mesmo tempo”; minha raiva quando o medíocre ator Ronald Reagan ganhou
as eleições duas vezes; minha decepção quando George Bush paiapanhou o
bastão, e meu horror quando Bush filho foi
reeleito, depois da invasão
do Iraque, em 2004.
Mas a eleição de Donald Trump é de outra ordem. Ford,
Reagan, os Bush e inclusive Nixon, até sua queda, eram personagens que, pelo
menos em público, comportavam-se com a seriedade e a dignidade que o cargo
exige. Estava em desacordo com eles em quase tudo, ficava de mau humor quando
os via na televisão, mas não sentia que eram pessoas fundamentalmente frívolas
ou imaturas; nunca me assustava que tivessem o dedo no botão nuclear.
Donald Trump é um chorão com um
ego gigante e ao mesmo tempo frágil, como um enorme ovo de porcelana
Agora, como escrevia nesta semana o colunista mais
conservador do The New York Times, David Brooks, os
norte-americanos escolheram “um rei bufão” como presidente. Eu iria mais longe.
Trump é um doente. Vendo suas mensagenzinhas
no Twitter e ouvindo suas declarações, não só no cínico frenesi da campanha eleitoral,
mas também desde que venceu Hillary Clinton em
novembro, a única conclusão possível é que oferece um caso clássico de
transtorno de personalidade narcisista.
É um chorão com um ego gigante e ao mesmo tempo frágil, como
um enorme ovo de porcelana. A virtude adulta da empatia é alheia às suas
funções cerebrais. Como indica sua crônica tuitorreia, tem uma
necessidade tão desesperada quanto infantil de ser sempre o centro das
atenções. O critério de Trump, o troll-em-chefe, para julgar as
pessoas se reduz a se falam bem ou mal dele. Por exemplo, quando diz que Meryl
Streep é “uma atriz supervalorizada”, Hillary Clinton merece ir para a
prisão, e Putin é um grande líder, muito superior a Barack Obama.
A presidência de Trump será Donald no país das maravilhas.
Como a Alice de Lewis
Carroll, passamos ao outro lado do espelho e entramos em outra dimensão. Só
que Trump não interpretará o papel da sensata Alice, e sim do Chapeleiro
Maluco. Só que não, não será o presidente dos Estados Unidos numa delirante
história de ficção, e sim de verdade. Ainda custa a crer, mas, em poucas horas,
Donald Trump será o presidente dos Estados Unidos no mundo normal.
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