AGENDA CULTURAL

13.2.17

Cidades que são cagadinhas de mosquito


Hélio Consolaro

Cidadezinha qualquer
(poema escrito em 1930)
Carlos Drummond de Andrade

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.


Li a reportagem do jornal Folha Região, edição de 12/02/2017, domingo, sobre as cidades paulistas que não tiveram homicídio em 2016. Há muita fofoca na cidadezinha qualquer, mas ninguém mata ninguém. São aldeias, no sentido europeu da palavra.

Dentre elas, o texto jornalístico destacou Turiúba e Lourdes, aqui de nossa região. Elas são registradas no mapa bem grande com uma cagadinha de mosquito (um pontinho preto minúsculo).

Alguém pode dizer: “O Consa é doido, chamar uma cidade de cagadinha de mosquito”. Fiz isso conscientemente, porque quem quer paz não dá confiança para status e grandeza. Quem cultiva a humildade adora a pequenez. Assim nos ensina o poeta Manoel de Barros.  

Eu já morei numa cidadezinha qualquer por quase seis anos, Rosana (região de Presidente Prudente), que hoje tem 30 mil habitantes, mas na época (1972-1977), seu núcleo urbano tinha 3 mil, nem cagadinha de mosquito era no mapa por ser distrito de Teodoro Sampaio.  

Na altura de meus 23 anos, fui em Rosana por necessidade, iniciar o meu magistério, mas os cinco anos e meio que passei por lá valeram mais que uma pós-graduação.

Hoje, aposentado, eu iria morar numa cidade qualquer, bem pequenina, por opção, para viver minha velhice? Eu gostaria de responder “sim”, pois morar numa pequena cidade perto de outra maior é o ideal, mas vivo sentimentos contraditórios, tenho espírito de aldeão, mas gosto de viver numa cidade maior, como Araçatuba, onde os homicídios acontecem amiúde, que é registrada no mapa com uma cagadona de boi.

Infelizmente, não cheguei ainda ao mundo das excelências, não sou tão humilde para contentar-me em ser apenas o tijolinho da construção. O bonitão aqui gosta sempre de ser o telhado. Eta bicho besta, meu Deus!



*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras

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