Placa anexada na sala de estar da Academia Araçatubense de Letras, quando o Célio Pinheiro ainda era um acadêmico ativo |
Tito Damazo*
Morremos. Diante do que não há nada mais
que aceitação e lamentos. Outros colegas acadêmicos com os quais tivemos certo
convívio em reuniões e eventos também estão mortos. Nós outros também iremos
morrer. Inevitável clichê: é a lei da vida.
Em verdade, para a vida, o Célio já havia
morrido. Quando foi internado naquela “Casa de Repouso” em Penápolis, seu ser
já não reconhecia mais esta vida para a qual viera, na qual construíra a si,
sua família, suas amizades, suas realizações pessoais e coletivas, sua
identidade, seus triunfos, fracassos, enfim, seu modo, seu singular jeito de
ser Célio Pinheiro.
Entrei para a Academia por teimosia do
Célio. Fomos colegas-professores no curso de Letras do UniToledo nos anos 1990.
Eu não queria. Ele teimava. Fez tudo o que pôde para que fosse publicado meu
primeiro livro de poesia. Recorreu a alguns colegas e amigos comuns pela sua
causa. Cedi. Em 1994, tomei posse, criando a cadeira Carlos Drummond de
Andrade.
Por duas vezes estive com ele nessa “Casa
de Repouso”. A primeira, deliberadamente. Era um Natal. Desde a juventude,
geralmente, temos passado esta data junto à grande maioria dos nossos
familiares ali residentes. Já era um morto-vivo. Tão somente um corpo vivo.
Funcionava o cérebro, não mais os neurônios.
Na segunda vez, fazíamos a primeira visita
à minha sogra, recém-internada. Quis logo revê-lo. Claro, o mal agravava-se.
Antes, a consciência parecia relutar. Agora, havia expirado. O vago e vítreo
olhar de quem já não é deste mundo. Embora respirasse.
Nos deixaram um pouco sentados, um diante
do outro. Enquanto o olhava, a consciência memória me trazia algumas
lembranças. Ele, por vezes, me fitava, mas, por certo, não me via. Ausência absoluta.
O que ali restava?, refletia eu. Se a
consciência há muito o havia deixado, logo que é de alma, espírito, posto que,
segundo a crença, tal não acaba? Se a consciência não era a alma, onde se
metera esta daquele ser outrora tão senhor de si mesmo, de ser um Célio
Pinheiro cheio?
A ciência, tão humana como é, por certo se
julgava suficientemente clara. A consciência houvera desaparecido há muito.
Restava um corpo suportando que seus componentes bioquímicos cumprissem o todo
de tempo que lhe coubera naquela matéria.
A crença, ancorada na divindade, por certo
cumpria seus indevassáveis desígnios emudecidos pelo mistério da fé.
Vim-me embora assim como continuo indo.
Simpático à ciência e enamorado da crença. Agora, parece que ambas chegaram num
acordo. E o caro amigo e colega Célio pôde, enfim, alcançar a merecida paz do
completo desaparecimento.
*Tito Damazo, professor, escritor, com mestrada e doutorado em Letras, membro da Academia Araçatubense de Letras.
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