AGENDA CULTURAL

3.10.17

No completo passamento de Célio Pinheiro

Placa anexada na sala de estar da Academia Araçatubense de Letras, quando o Célio Pinheiro ainda era um acadêmico ativo
Tito Damazo*   

Morremos. Diante do que não há nada mais que aceitação e lamentos. Outros colegas acadêmicos com os quais tivemos certo convívio em reuniões e eventos também estão mortos. Nós outros também iremos morrer. Inevitável clichê: é a lei da vida.

Em verdade, para a vida, o Célio já havia morrido. Quando foi internado naquela “Casa de Repouso” em Penápolis, seu ser já não reconhecia mais esta vida para a qual viera, na qual construíra a si, sua família, suas amizades, suas realizações pessoais e coletivas, sua identidade, seus triunfos, fracassos, enfim, seu modo, seu singular jeito de ser Célio Pinheiro.  

Entrei para a Academia por teimosia do Célio. Fomos colegas-professores no curso de Letras do UniToledo nos anos 1990. Eu não queria. Ele teimava. Fez tudo o que pôde para que fosse publicado meu primeiro livro de poesia. Recorreu a alguns colegas e amigos comuns pela sua causa. Cedi. Em 1994, tomei posse, criando a cadeira Carlos Drummond de Andrade.
Por duas vezes estive com ele nessa “Casa de Repouso”. A primeira, deliberadamente. Era um Natal. Desde a juventude, geralmente, temos passado esta data junto à grande maioria dos nossos familiares ali residentes. Já era um morto-vivo. Tão somente um corpo vivo. Funcionava o cérebro, não mais os neurônios.

Na segunda vez, fazíamos a primeira visita à minha sogra, recém-internada. Quis logo revê-lo. Claro, o mal agravava-se. Antes, a consciência parecia relutar. Agora, havia expirado. O vago e vítreo olhar de quem já não é deste mundo. Embora respirasse.
Nos deixaram um pouco sentados, um diante do outro. Enquanto o olhava, a consciência memória me trazia algumas lembranças. Ele, por vezes, me fitava, mas, por certo, não me via. Ausência absoluta.

O que ali restava?, refletia eu. Se a consciência há muito o havia deixado, logo que é de alma, espírito, posto que, segundo a crença, tal não acaba? Se a consciência não era a alma, onde se metera esta daquele ser outrora tão senhor de si mesmo, de ser um Célio Pinheiro cheio?

A ciência, tão humana como é, por certo se julgava suficientemente clara. A consciência houvera desaparecido há muito. Restava um corpo suportando que seus componentes bioquímicos cumprissem o todo de tempo que lhe coubera naquela matéria.

A crença, ancorada na divindade, por certo cumpria seus indevassáveis desígnios emudecidos pelo mistério da fé.
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Vim-me embora assim como continuo indo. Simpático à ciência e enamorado da crença. Agora, parece que ambas chegaram num acordo. E o caro amigo e colega Célio pôde, enfim, alcançar a merecida paz do completo desaparecimento.

*Tito Damazo, professor, escritor, com mestrada e doutorado em Letras, membro da Academia Araçatubense de Letras. 

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