AGENDA CULTURAL

11.1.18

A praça do Diamante, uma história de amor

Conteúdo da caixinha

Hélio Consolaro*

Sempre desejei ter o tempo do mundo para ler como entretenimento, sem necessidade de fazer provas, trabalhos, ministrar aulas. Ler, largar o livro no início porque que não gostei. Com a TAG - Experiências de leitura, estou conseguindo fazer isso. Não escolho os livros, eles caem debaixo de meu nariz.

Ao dar as boas-vindas à caixinha que deixaram em casa em dezembro, ao me apresentar ao livro "A praça do Diamante" (1962): prazer em conhecê-lo, agarrei na leitura. 

Literatura espanhola, ou melhor, catalã, do mesmo povo que faz atualmente passeatas para sua independência, ou então, do time de Barcelona.

No início, tive um desapontamento tal como o do amigo de Mercè Rodoreda, Baltazar Porcel, que disse, após leitura, ser Colometa, a protagonista e narradora, uma moça boboca. 

Telefonei para um amigo, que gosta muito do poeta brasileiro Manuel de Barros, e disse-lhe que havia encontrado uma narrativa com o mesmo ponto de vista diante do mundo: valorizar as insignificâncias. E conversamos.

E assim, fui navegando no romance de Mercè Rodoreda, uma escritora que nunca quis escrever em espanhol, mas em catalão, aprisionava sua obra num idioma pouco conhecido, que por isso era desconhecida na própria Espanha, mas admirada por Garcia Marques. A boa qualidade da obra promoveu uma explosão: já é traduzido em 30 idiomas.

Escrever em catalão era uma atitude de resistência de quem havia participado da Guerra Civil Espanhola de 1937, da qual Franco saiu vencedor.


Pedaço de "Guernica" (1937), quadro de Pablo Picasso
Um idioma reconhecido como oficial apenas em 1978, com a nova Constituição, para 10 milhões de habitantes de uma região da Espanha, residentes no Estado soberano de Andorra.

Aquela briga toda acontecia, matança dos dois lados, mas para Natália, a Colometa, que vivia seu cotidiano sem se envolver, como certamente acontecia com o restante do povo, não fazia uma análise política da situação.

Realmente, Colometa vivia uma história de amor, pois foi na praça do Diamante que encontrou Qimet e se apaixonou por ele e se casaram. Um homem que não tinha muita responsabilidade com sua família, que enchia seu apartamento de pombos para a família criar.

Natália, a Colometa (tradução: Pombinha), só foi sentir a gravidade da guerra quando ela tirou a vida de seu amado, o Quimet, e amigos. Ele e seus amigos entraram no conflito pelo lado dos republicanos. 

No posfácio, escrito em 1982 por Mercè Rodoreda, disse que ao escrever "A praça do Diamante", quis ser kafkiana com os pombos asfixiando a protagonista do início ao fim.

A miséria de Colometa e suas duas crianças (Antoni e Rita) era tanta que chegavam à mendicância. No capítulo que antecede a decisão do suicídio coletivo (dos três), houve uma narração, uma descrição surrealista. A fome aparecia com a pele grudada nos ossos.

Mas o amor humanitário, sem paixão, morava numa mercearia, onde Natália sempre comprava a satisfação de suas necessidades. E ela foi adquirir o veneno para o suicídio, mas não tinha dinheiro nem para isso, o Sr. Antoni vendeu-lhe fiado. Quando ela já havia andado dois quarteirões com o veneno, o merceeiro bateu-lhe por trás em suas costas com uma proposta: você não quer trabalhar comigo? Ele voltara mutilado da guerra e reabria o estabelecimento.  Voltaram ao estabelecimento, acertaram o trabalho, e ela abandonou disfarçadamente o ácido nítrico no balcão.    
Contou sua mutilação sexual a Natália. Se propôs a criar os filhos dela como seus e se casaram. Não era o amor arrebatador de Qimed, mas era um amor acolhedor, e os filhos foram amparados inclusive nos estudos.

E sempre vinha à cabeça de Natália se Qimed não houvesse morrido. E este leitor, presa fácil das narrativas cheias de tragédia e suspense, esperava a qualquer momento a volta do morto.

Mas a história de amor não terminou bem, os heróis não terminaram abraçados, sempre Natália voltava aos passeios na praça do Diamante para recordar o encontro com Qimet, mas o merceeiro Antoni (xará do filho de Colometa) revelou um amor humanitário, sem interesse na beleza de Natalia, respeitando os filhos dela.

Terminei a leitura de "A praça do Diamante" como um homem do povo, como se tivesse lido uma história de amor com final feliz. Se não deu certo pelo prisma da grandeza, do arrebatamento, terminou bem pela visão da insignificância do mundo.

OUTRAS RESENHAS SOBRE O LIVRO:
Literatura Catalã: conheça cinco escritores

Pequena história, grande história - Sérgio Rodrigues

Voa, Colometa - Carol Bensiomon

Quando a gente cai dentro do livro - Por Letícia Wierzchowski

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras 

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