AGENDA CULTURAL

22.3.18

Como fazer livro em casa artesanalmente

Turma de Birigui-SP
Texto e fotos: Hélio Consolaro*
Enquanto os editores, o mercado editorial, autores e leitores mais bem informados estão discutindo o livro digital há um exército de Brancaleone (três soldados) na contramão da história ensinando a fazer livros artesanais. E a ideia foi abraçada pelo Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de São Paulo (Siseb), pois a oficina de como fazer livro artesanais acontece em todo o estado.
Eles entenderam que há uma demanda de autores do interior e mesmo das comunidades das grandes cidades querendo publicar seus escritos, mas não têm recurso. 
As professoras Marta Souza Rocha e Vilma Gomes de Amorim Cruz - ambas da Fundação Casa 2, de Araçatuba. Estavam lá aprendendo para implantar o projeto junto aos reeducados
Elaine Alencar, escritora do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras, estava lá aprendendo a fazer livro para publicar seus textos 
Por outro lado, há uma multidão de gente que não passou pelo livro de papel, quer folheá-lo, quer ver o nome de um parente na capa como autor. Essas subjetividades necessárias que a cultura de massa não satisfaz.  
Eu tive a oportunidade de fazer parte de uma oficina dessas na Biblioteca Municipal Nilo Peçanha, em Birigui-SP. Um grupo de 30 pessoas passaram oito horas junto, cada um montando o livro, que era o  próprio manual da oficina. Era mesmo oficina, com martelo, furadeira elétrica e outros apetrechos.
Paginando o livro antes de encaderná-lo
Até eu, que já tenho seis livros publicados, consegui montar o livrinho. Fiquei com um sentimento de satisfação: não apenas escrevi, montei materialmente um livro. Todos saem diferentes da oficina do fablab (laboratório de fabricação).  
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das Academias Araçatubense e Andradinense de Letras 

Laboratório de aprendizado compartilhado para publicação de livros em pequena escala e baixo custo para promover a produção literária da sua comunidade.
OBJETIVOS
• 
Oferecer à comunidade da biblioteca a oportunidade de autopublicação de livros com baixo custo de produção;

• Apresentar conceitos editoriais e gráficos básicos e fornecer subsídios para a edição de livros de autores iniciantes;
• Auxiliar no processo de produção do livro artesanal;
• Contribuir para a criação de um Fab Lab (laboratório de fabricação), um espaço de criatividade, aprendizado, compartilhamento do conhecimento e produção literária dos autores locais;
• Promover a sustentabilidade por meio de um movimento eco cultural, para a fabricação dos equipamentos e confecção dos livros.
Costura
 CONTEÚDO E PROGRAMA
• Fundamentação do design do livro – criação da capa, paginação, diagramação, escolha do papel, design para o livro, impressão e acabamento de forma artesanal;
• Registro do livro – registro na Biblioteca Nacional – direitos autorais, ISBN, ficha catalográfica, custos, montagem artesanal e impressão, lançamento do livro;
• Técnicas básicas de encadernação – etapas da confecção, sustentabilidade, equipamentos e utensílios.
Fazer furos para a costura
PÚBLICO-ALVO: Profissionais de bibliotecas, salas de leituras e programas de incentivo à leitura, e escritores independentes.
Fazendo vincos
Albino Ribas é criador do projeto Livro Alternativo, que tem como um dos objetivos escapar à lógica convencional de produção, atribuindo ao livro um valor cultural e simbólico. Criou a Ribas Editora e optou por publicações artesanais visando menor custo com material reaproveitado e reciclado.  É advogado, bacharel em Administração Hospitalar e especializado em Direito Previdenciário. Atualmente se dedica as duas atividades, o Direito e a Editoração.

Célia Regina Ignatios de Andrade é escritora, poeta e membro da Academia Itanhaense de Letras. Atualmente se divide entre a poesia e o haicai. Entre suas obras publicadas estão Pausa para o Café (2017), Novos Haikais (2016), Enquanto Canto (2016) e Haicais (2015). É graduada em Administração Hospitalar e Terapias Naturais.
Colagem
Maraléia Menezes de Lima é bibliotecária graduada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, com especialização em Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância pela Universidade Federal Fluminense e em Psicopedagogia Institucional pelo Centro Universitário Ribeirão Preto.

Por que desenvolver atividade editorial na biblioteca

Eloísa Cartonera, Buenos Aires, Argentina 

Por que um projeto editorial seria interessante para bibliotecas públicas e comunitárias?  Como poderia contribuir para a relação da biblioteca com a comunidade e dos indivíduos e grupos da própria comunidade entre si?

Poucos duvidam do valor dos livros e da leitura na transformação das vidas das pessoas. Seja através de um programa formal de educação, seja por interesse pessoal autodidata, livros, revistas, bibliotecas, enfim, a leitura ocupa um espaço de destaque no imaginário de como se aprende alguma coisa.
As bibliotecas públicas e comunitárias (as demais também, até certo ponto) têm por missão principal a disseminação dos livros e o estímulo da leitura.
Fazem isso através de suas coleções, formadas a partir do estudo dos interesses, hábitos e outras características que formam os perfis de seus usuários e também por meio do serviço de referência, marketing, cursos de formação de leitores, eventos e outras atividades desenvolvidas, a partir desses estudos, para aproximar a comunidade dos livros e da leitura.
Fazem isso para oferecer aquilo que o usuário quer e precisa, assim respondendo às 3 primeiras leis de Ranganathan e, por esse trabalho, são as instituições culturais mais lembradas quando se fala em leitura. Entretanto, algumas questões podem ser colocadas ao tipo de contato e serviços oferecidos pelas bibliotecas às suas comunidades:
Quem decide o que o usuário ou a comunidade precisa? Até que ponto nossos estudos de comunidades conseguem identificar desejos e necessidades? Com que frequência superamos o questionário e a análise de dados do censo para determinar esses valores? Quanto de contato real com as pessoas das comunidades para aprofundar as informações quantitativas? E com as pessoas que não frequentam a biblioteca?
Mais importante (e com mais potencial revolucionário): Supondo que realmente sabemos os interesses e desejos de nossos usuários, que os estudamos ao nível do convívio, da conversa, será que os livros que selecionamos correspondem a esses interesses e desejos? Será que são o suficiente?
A verdade é que, por mais que nos esforcemos por compreender o que o usuário pensa e o que ele quer, ainda assim seremos pessoas tentando adivinhar o que os outros precisam e oferecendo acervos e serviços baseados nessa presunção.
Uma biblioteca que planeja seus recursos tendo por base apenas os estudos de usuário, por mais fiéis que sejam, e apenas seleciona um acervo entre as opções oferecidas pelo mercado editorial, está fadada a funcionar como o panóptico de Foucault: um centro que exerce controle a partir da informação que irradia para a periferia* .
A cultura assim difundida não leva em conta a visão de mundo, as criações e potenciais existentes em cada comunidade e em cada indivíduo isoladamente. E isso se torna mais verdadeiro conforme nos aproximamos das periferias das cidades, da pobreza e da exclusão social.
Nesses redutos, onde a presença da cidadania, na forma de serviços públicos, de participação nos processos políticos, e mesmo de condições básicas de existência é precária, produz-se muita cultura, a cultura verdadeiramente popular, riquíssima! Mas essa cultura fica restrita aos becos, vilas e favelas, não é conhecida e nem se demonstra interesse em conhecê-la nos círculos menos precarizados da sociedade. É uma cultura que não tem voz na mídia, que não tem vez nos centros culturais. De tão calada, nem mesmo os atores que a protagonizam valorizam o que fazem. E é justamente nesses locais em que as bibliotecas são mais necessárias. Exatamente para resgatar a identidade, a confiança e a autodeterminação desses sujeitos, através da ação cultural.
Para que uma revolução, que possibilite às pessoas a garantia efetiva de seus direitos e condições de igualdade, aconteça, é necessário que todos e cada um tenham consciência de seu lugar no espaço e no tempo. No espaço, sabendo situar-se em todos os níveis, da comunidade local ao contexto global, de forma política cultural e econômica. E no tempo, reconhecendo a história de sua própria vida, das pessoas de sua família, do seu bairro, cidade, estado, país, continente, mundo… Saber reconhecer o contexto em que se está inserido, os eventos que o levaram a tal situação e as relações entre sua comunidade e as outras forças em jogo é condição sine qua non para o exercício pleno da cidadania. E para adquirir essa consciência e tornar-se então governante de seu próprio destino, o indivíduo precisa reconhecer e valorizar sua própria identidade cultural.
Isso implica reverter o processo elitizante da cultura. Nas periferias, onde a cultura popular é efetivamente produzida, a ideologia dominante distorce a visão dos indivíduos sobre sua própria identidade e vivências, fazendo com que considerem seus próprios feitos como desimportantes ou mesmo repudiem completamente a própria cultura, já que essa não é valorizada, não está nas lojas, nem na televisão, nem nos jornais.
O reconhecimento do valor das experiências de cada um é necessário para a existência de um ambiente criativo e estimulante, apto a resgatar a auto-estima da comunidade e capaz de transformar aquilo que hoje é considerado marginal em um ativo cultural complexo e próspero e, final e idealmente, conduzir à libertação cultural dos sujeitos.
A ação cultural nas bibliotecas, geralmente é vista como a promoção de atividades culturais com o intuito de difundir a “cultura”, tornar as pessoas “cultas”, “levar” até o público-“alvo” os prestigiados valores culturais da sociedade. As atividades são cursos, clubes de leitura, palestras, feiras de troca, peças teatrais, espetáculos de música, entre outras. Todas essas atividades são excelentes para atrair público, divulgar os serviços e ampliar a relação da biblioteca com a comunidade. Elas comprovadamente causam impacto nos hábitos de uso da biblioteca e de leitura dos usuários. 

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