AGENDA CULTURAL

5.4.18

Não há desgraça no mundo



Hélio Consolaro


“Eu ansiava por honestidade, mas encontrava desonestidade em mim mesma”.

Neste imbróglio em que o Brasil vive, à procura de desonestos, eu encontrei a frase da epígrafe perfeita lendo um livro da literatura “beat”, “Só garotos”, de Patti Smith (1946). 

A cultura “beat”, ou contracultura, tinha como intenção lançar a dúvida sobre o sangue vermelho-branco-e-azul de todo americano. Manifestava o inconformismo da juventude norte-americana. Patti Smith é a escritora, já idosa, que foi receber o prêmio Nobel de Literatura em nome de Bob Dylan em 2017.  

A frase de Patti Smith e a atitude do cristão que bate no peito e diz que está salvo porque crê em Jesus Cristo e os outros estão todos condenados são bem antagônicas.

A passagem bíblica de Maria Madalena em que vai ser apedrejada e Jesus Cristo chega e a salva, dizendo que atirasse a primeira pedra aquele que nunca havia errado condiz mais com a frase: “Eu ansiava por honestidade, mas encontrava desonestidade em mim mesma”.

Os moralistas se acham puros, consertadores do mundo, tudo está errado, precisam melhorar a situação. Na verdade, eles são pecadores contumazes, acusam os outros para esconder os seus próprios erros.

Engraçado, toda vez que o país entra em crise, precisa de uma reorganização, o motivo não é a injustiça, nem a distribuição de renda, mas a corrupção. Assim foi com João Goulart, Collor, Lula, Dilma. Os moralistas não querem resolver os problemas, mas encontrar culpados. A impunidade é uma palavra mágica.

Outro dia, uma xícara caiu, pulou no ladrilho e trincou. Éramos dois na área de serviço: eu e minha mãe. Com seus 92 anos, gritou:

- Quem derrubou a xícara? (Na verdade, era ela, acidentalmente.)

Ela queria descobrir culpados. Eu redarguí:

- Mãe, acho melhor eu catar os restos mortais da xícara, varrer o chão, não deixar nenhum caquinho para que nenhuma criança se machuque.  

E continuei:

- Vamos resolver o problema? Achar o culpado não resolve nada, apenas vamos nos acusar. Da próxima vez, procuremos não deixar a xícara na beiradinha da mesa.

Deixar o complexo de culpa de lado. O bom pregador não permite que a sua ovelha saia arrasada do templo, carregando a culpa das desgraças do mundo por causa de sua homilia.

Erra, conserta, reflete sobre o erro; erra, conserta, reflete sobre o erro. Assim caminha a humanidade. Aqui na Terra não existe desgraça alguma, a não ser as criadas por nós, não há vale de lágrimas, até morrer é uma graça.  

LEIA PRONUNCIAMENTO DE GILMAR MENDES PARECIDO COM ESTE ARTIGO.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

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