Que Bolsonaro é um trapalhão despreparado todo mundo
sabe. Mas o que muita gente ainda não aceita é que existe um projeto global
por trás de seu governo, extremamente bem organizado, do qual ele é só a
ferramenta útil. Querem ver o exemplo da semana passada? Se liguem no que
rolou na Itália.
Pano de fundo: Matteo Salvini, ministro do Interior (espécie de Casa Civil
do país), é o premier de fato. Ele faz parte da Lega Nord, um partido que
faz populismo com racismo e xenofobia, demonizando “comunistas” e minorias
em geral. Seu principal projeto: uma lei chamada "Decreto
Sicurezza", espécie de "lei anticrime" do Moro. Basicamente
uma lei jogando pra torcida, com ações inócuas e midiáticas. Soa familiar,
não?
Antes de ser aprovada, a lei já fez uma vítima. Uma professora foi suspensa
e teve salário cortado pela metade depois de uma batida do governo em seu
colégio. Crime: "permitir" que alunos fizessem um vídeo que
compara o decreto de segurança às leis raciais do fascismo.
Perseguição a professores. Soa familiar? Salvini, depois, voltou atrás, e
disse que a punição era “exagero”. Sim, soa familiar.
Quem mais vem perseguindo professores e alunos, chegando ao ponto de
expelir uma universidade para fora do país? Viktor Orbán, o Bolsonaro da
Hungria.
Salvini, Bolsonaro e Orbán são políticos da nova onda de populismo de
extrema direita. Não é coincidência que seus inimigos sejam os mesmos:
professores (e jornalistas, "o comunismo", George Soros etc).
Todos estão seguindo um manual extremamente previsível de anti-iluminismo.
O projeto é criar novas oligarquias, destruir as instituições públicas e
privadas e substituí-las por suas próprias instituições e amigos. Na
Hungria, Orbán dá o caminho.
Seus familiares e amigos fazem negócios com o governo (Hol van Queiroz?)enquanto ele busca apoio público
mirando em inimigos comuns, jogando sobretudo com o medo das pessoas em
relação à segurança. Cria os fantasmas que depois diz combater. Em meio a
isso, toma controle do Judiciário e sufoca a mídia usando a tática do "eles
estão contra mim e só produzem fake news". Soa familiar? Porque é.
Salvini, nesta semana, levou a Lega Nord ao topo da Europa.
A extrema direita fez 34% dos votos nas eleições do Parlamento Europeu,
resultado só alcançado por cinco partidos nos 70 anos da democracia
italiana pós-guerra.
Ironicamente, entre eles, está o Movimento 5 Stelle, que venceu as eleições
nacionais do ano passado esmagando os partidos tradicionais empunhando a
bandeira da anti-política. O M5S abraçou a extrema direita Lega para formar
seu governo. Salvini foi colocado no cargo de ministro do Interior pelo
M5S. Do topo ao chão, o M5S fez apenas 17% nas europeias, metade do ano
passado, chegando atrás também do Partido Democrático, de esquerda.
O movimento-fenômeno liderado por um comediante e que sonhava derrotar o establishment criou cuervos.
*Leandro Demori é editor executivo de The Intercept Brasil
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