Tito Damazo*
Presumo
não ser comum, mas bastante possível que pessoas não gostem das canções de
Chico Buarque. Também, possível é que haja leitores de literatura que não
gostem dos romances de Chico; não gostem das peças de Chico.
Muito
mais comum ainda será que muitas pessoas discordem do posicionamento político
de Chico. Que podem entender, até, que, por ser de esquerda, seja um comunista,
ou um socialista. É possível. Afinal, ter uma posição política e de defender
uma ou outra forma de pensamento político é bom, é saudável, é necessário e,
evidentemente, encontra oposições (mas não deveria encontrar achincalhes,
detratações).
Desde Aristóteles,
pelo menos, se compreende que o homem é um animal político. A política nos
move, nos comove, nos demove, nos conforta e desconforta; nos constrói e nos
destrói. É como o sal. Em uso adequado, conserva, dá paladar. Em uso
inadequado, deteriora, tem efeito deletério.
Entre outros
significados, isto quer dizer que a sua essência está na base do ato de pensar,
refletir, discutir ideias, defendê-las, refutá-las. E assim ocorre, sobretudo,
porque somos indivíduos, cuja obviedade é que indivíduos são diferentes em número,
gênero, grau etc., etc. uns dos outros. Quando se abre mão de ser indivíduo, se deixa
de ser dono de si e se passa a ser massa. Massa de manobra. Maria vai com as
outras, diz a sabedoria popular. E aí, já não há mais política. Há politicalha.
Se quer todos únicos. E a unicidade, a unanimidade, também se sabe, já ensinou
Nelson Rodrigues, é burra. É gado conduzido de pasto a pasto, de curral a
curral.
Ora,
para que se possa ter concreta clareza disso, mirem-se no exemplo deste
sujeito. Seu pai era paulista, o avô pernambucano, o bisavô, mineiro, o
tataravô, baiano. Viu cidades, dinheiro, bandoleiros, hospícios, moças feito
passarinho avoando de edifícios. Vai na estrada há muitos anos. É um artista
brasileiro.
E
que artista! É único. Não unânime. Mas seria pura ignorância negar-lhe um especial
lugar entre as grandezas maiores da galeria de artistas brasileiros. Duvido que
haja alguém, mesmo entre os que o odeiam (incrível, mas os há!: um homem é um
homem que não está em outro homem), que, só, consigo mesmo, não tenha já
cantarolado “A banda”, “A Rita”, “Carolina”, “Apesar de você”...
Um
cara que se conduz. É indivíduo. Não se deixar conduzir, não se massifica. Não
conduz pura simples. Se situa, se coloca. E produz. Produz cultura. Cultura que
influencia, provoca, instiga, incomoda, transforma. Cultura que constrói o
País, engrandece-o, por dentro e por fora. As canções de Chico são conhecidas
do Oiapoque ao Chuí, da Sibéria à Nova Zelândia. É, incontestavelmente, gostem
ou não, uma das grandes estrelas do cancioneiro em língua portuguesa.
Conquistou também sólido espaço já no meio literário da literatura de
língua-mãe. Seus romances têm obtido os maiores prêmios do ramo. Recentemente,
o maior deles, o “Camões!”. Aliás, estopim da mais recente chicana que lhe foi
dispensada por ninguém mais do que o presidente da República do seu País.
Todavia,
nessa conjuntura, embora não haja absolutamente nada que justifique uma atitude
dessa da representação mais alta da nação, não se esperaria outra coisa. Tanto
que, ante o achincalhe, Chico reagiu justamente respondendo não a um chefe de
Estado da nação brasileira, mas a um faccioso que ocupa a presidência da República
do Brasil. É certo que os atos e
discursos do presidente e de seu devotado ministério, dos filhos e demais
asseclas têm recaído, não só, longe disso, mas, sobretudo, nos setores culturais
e educacionais de maneira desvairada e bastante destrutiva, como se tem sobejamente
presenciado.
São setores, não só, mas
essencial e fundamentalmente, em que a palavra, a linguagem abertas, livres das
peias dos preconceitos, das variadas formas de censura, da imposição
autoritária e parcial, das arbitrariedades da ignorância prepotente, etc.,
etc., para não encompridar mais com o muito que ainda fica por dizer, são
setores apontados por eles, não como os que têm atuado firmemente para a
transformação e desenvolvimento do que é este País hoje, apesar de seus ainda
muitos entraves e atrasos, mas como antros conduzidos pela esquerda comunista,
socialista, perdulária, fomentadora da “ideologia de gênero”, etc., etc., etc. E
Chico Buarque lhes é, certamente, um ícone de todas aquelas obsessões que os
atormentam.
Mas a resposta de
Chico (A não assinatura de Bolsonaro ao certificado do prêmio é outro “Camões”
ganho) é a metáfora que expressa a voz de todos (e somos muitos, muitos) que
têm dedicado seu trabalho e talento de forma honesta, tolerante, respeitosa e
democrática (no sentido “científico” que essa palavra representa e não faccioso
que querem lhe dar), avessos ao nepotismo, à hipocrisia, às múltiplas
negociatas correntes, na construção deste NOSSO País. Ditadura nunca mais! Tá oquei?
*Francisco Antônio Ferreira Tito Damazo, professor, escritor, membro da Academia Araçatubense de Letras, com doutorado em Literatura
damazo@terra.com.br
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