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Família reunida para tirar fotografia - Tarsila do Amaral |
Hélio
Consolaro*
Moro
na mesma casa há quase 40 anos. No decorrer do tempo, fui ajeitando o lugar com
os palpites da Helena e dos palpiteiros de plantão. Tentei dar uma cara moderna
para uma casa antiga. Ela fora construída por gente bem simples.
Nunca
morei sozinho na casa. Já deixei a Helena morando sozinha nela por quase um
ano. Não aguentei ficar sem as duas e voltei. Na volta, a hera que tomava conta
do muro lateral havia sido extirpada, foi um desgosto.
Para
esta casa ser minha, passada no papel, com escritura e tudo, deu muito
trabalho. Até o ex-presidente militar João Figueiredo quis tomá-la de mim,
suspendendo a transferência de contratos de gaveta e subindo demais a
prestação, enquanto o presidente civil Fernando Henrique me entregou a danada,
liquidada, paga, em troca de uma mixaria de FGTS que eu tinha na Caixa
Econômica Federal. Depois diz a ignorância que os políticos não têm nada a ver com
nossas vidas.
Ter
uma casa própria, sempre foi um sonho dos quatro filhos de Seu Luís e Dona
Augusta. Sempre morávamos de favor ou de aluguel. Enquanto solteiro, passei por
16 casas, éramos caracóis, carregávamos a casa nas costas.
Com
esse histórico, vivi em 16 lugares durante 20 anos e em quase 40 anos, num só
lugar, numa só casa. Parei de ser nômade em 1982. Esta casa me viu envelhecer.
Criei raiz:
-
Daqui ninguém me tira!
Ouvindo
a música "Meu reino", do Biquíni Cavadão, com certo atraso, ela me
tocou com sua letra: "Atrás da porta / Guardo os meus sapatos / Na gaveta
do armário / Coloco minhas roupas / Na estante da sala / Vejo muitos livros / E
a geladeira conserva o sabor das refeições". Na minha, há um cafofo por
onde me ligo com o mundo, é o canto cibernético da casa, onde livros e roteador
se misturam.
Agora,
arranjei a casa para receber os netos. O oitizeiro de mais 30 anos dá a sombra,
edícula para o churrasco, cobertura, cama elástica, uma piscina de acrílico
montável e desmontável. E ainda há espaços para alguns vasos. Pronto. Ela se
transformou num rancho recreativo.
Arrumado,
desarrumado, pobre ou chique, todos precisam de seu canto, de uma caverna. A
minha casa é uma extensão de meu corpo, meu canto, meu reino, minha cidadania.
Nela, somos família.
*Hélio
Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de
Araçatuba-SP, Andradina-SP e de Itaperuna-RJ
Um comentário:
Cada crônica do prof. Hélio sempre mexe com momentos vividos pois ele tem o dom de, através de palavras, nos transportar ao passado. Na nossa faixa etária, quem não tem recordações das casas que moramos?
Linda crônica prof.
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