Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP
A quaresma e a quarenta do coronavírus aconteceram simultaneamente em 2020. No teatro histórico, que é a via-sacra, Jesus Cristo ressuscitou, viveu a Páscoa.
Naquela época, os homens pensavam que a Terra fosse plana, por isso nossa cultura era cheia de dragões e outras figuras mitológicas.
Agora, nesta quaresma, descobrimos que os dragões não são monstros enormes. Continuam sendo imbatíveis porque se tornaram invisíveis, minúsculos, pertencem quase à realidade espiritual (ou energética): vírus.
Se a época da crucificação de Jesus fosse midiática, a procissão do Calvário seria passada em rede de televisão? Ou não faríamos tal judiação com Jesus por que estamos evoluídos? Somos melhores agora ou mudamos apenas a tecnologia, trocamos a casca, sendo o ser humano o mesmo?
As personagens das narrativas têm nomes diferentes, mas os sentimentos são os mesmos: o medo de Pedro, a falta de compromisso de Judas, a dúvida de Tomé, a omissão de Pilatos. Eles continuam entre nós.
Seria possível atualizar as estações da via-sacra? Há quem diga que se Cristo voltasse, nascesse num bairro de periferia, seria crucificado pelos moradores da zona nobre da cidade.
Homens de pouca fé acham que a morte de Jesus Cristo foi em vão e que ele certamente está tomando antidepressivos para amenizar sua frustração. Não mudou nada. Imbecil é o ser humano que quer mudar o mundo; quando muito, muda a si mesmo.
Não estou escrevendo este texto para abalar a fé de ninguém, porque sei que o cronista ao escrever também não muda nada, apenas mata o seu tempo.
A quaresma teve 40 dias, pois se trata de uma representação, mas a quarentena ultrapassará tal numeral, perdeu o sentido original.
Que saibamos carregar a cruz que nos jogaram às costas. Gemendo com o seu peso e tendo um verdugo açoitando-nos, fatalmente viveremos um dia atrás do outro, sendo crucificado no último.
Ressuscitaremos? Vai depender da fé de cada um na transcendência. Com certeza, seremos um arquivo deletado. Alguns acham que a lixeira da máquina é o fim; outros, que os bons arquivos vão para as nuvens.
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