Márcio Cruz*
A vereadora eleita pelo PT de Joinville, Ana Lúcia Martins, se junta à trajetória das mulheres negras no Brasil que conquistaram espaços na política. Não por acaso, a primeira mulher negra a conquistar este espaço pelo voto no Brasil foi outra catarinense, a também educadora Antonieta de Barros.
Desavisados podem imaginar que existem muitas coincidências entre Ana Lúcia Martins e Antonieta de Barros mas não, não são coincidências. São resultados de uma mesma estrutura social racista que resiste ao tempo.
Desde a eleição de Antonieta de Barros para a Assembleia Legislativa de Santa Catarina (1934), até a eleição de Ana Lúcia Martins para a Câmara Municipal em Joinville (2020), o racismo estrutural faz vítimas todos os dias, nos quatro continentes.
Ao escrever sobre a racismo no momento que Ana Lúcia Martins é vítima de crime racial e, ameaçada de morte, não posso deixar de declarar meu lugar de fala de homem não negro e chamar a atenção para este fato.
Como homem não negro, descendente de tradições que não sofreram e não sofrem as consequências da estupidez humana, pela minha cor da pele e meus antepassados, meu lugar de fala pretende negar e renegar meus privilégios de homem não negro, numa sociedade sustentada sobre o racismo estrutural. Estes privilégios me enojam, repulsam e salgam minha boca.
Sim, vivi e cresci entre famintos, mas as pessoas de pele negra que compartilharam comigo esse tempo de pobreza, ou ainda vivem na miséria, ou perderam suas vidas na violência policial e social. Até na desgraça sou privilegiado! Por isso, nego e renego com toda minha a sedução dos privilégios que me são oferecidos pelo racismo estrutural.
Como homem não negro que vive em Joinville, Santa Catarina, estado e cidade com forte racismo estrutural, não posso silenciar diante da estupidez humana de crime racial e ameaça à vida que sofre a mulher negra e vereadora eleita, Ana Lúcia Martins, com quem compartilho gestos de solidariedade no Comitê Popular Solidário Joinville Contra o Coronavírus.
E dizer a Ana Lúcia que sua postura, sua fala, seus olhares e gestos tem inspirado coragem. Mesmo liberais econômicos de direita, demonstraram repulsa pela estupidez humana que comete crimes de racismo. Isso deve ser dito, para que se evidencie que o racismo estrutural não reconhece classe social nem ideologia, só reconhece a cor da pele.
As eleições de 2020 evidenciaram a luta contra muitos preconceitos, elegendo negros e negras, LGBTQI+, Pessoas Com Deficiência entre outras identidades sociais e políticas. É certo que a máquina racista, fascista, homofóbica, machista e de ódio manterá suas emboscadas assassinas e seus inescrupulosos atos anônimos de ódio nas redes sociais.
Mas o apoio à Ana Lúcia Martins que se espraiou pelo Brasil, revela que haverá resistência nos quatro cantos do país. Há muito a fazer! Devemos estar vigilantes e nunca, nunca subestimar a estupidez humana. Estupidez como o feminicídio de Leila Arruda, candidata a prefeita no município de Curralinho (PA), assassinada em Belém (PA), neste 19 de novembro.
Por isso, faço um chamado às pessoas não negras como eu, para que se juntem às fileiras de combate e desconstrução do machismo e do racismo estrutural, só assim poderemos pensar em uma sociedade verdadeiramente justa, livre e com equidade social.
*Marcio L. V. Cruz - educador popular, mestre em ciências sociais e poeta
Um comentário:
Parabéns grande mestre Hélio Consolare
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