Ouvir é fisiologia, escutar é humanidade!
Ouvir é um ato físico e não pode ser impedido, já escutar significa estar presente, doar-se ao outro e significa cuidado, preocupação e tempo com aquela pessoa. Escutar é interagir com o outro a partir de seu relato, é quase um olho dentro do doutro. Nos dicionários, escutar significa estar consciente do que se está ouvindo. Ou ainda, escutar é ficar atento para ouvir e dar atenção.
A falta do “escutar” é uma de nossas marcas atuais induzida pela alta competividade e necessidade de uma produtividade cada vez maior e que não nos leva a nada em termos de crescimento mental ou espiritual.
Escutar uma pessoa presencial ou on-line requer muito cuidado, amor e humanidade, pois em geral se coloca isto em segundo plano no dia a dia e é considerado uma perda de tempo pela maioria das pessoas. Isto leva a ouvir a pessoa, mas não a escutar.
É O FIM
Quando a outra pessoa percebe que não é escutada, passa a repetir a mesma atitude, quase como uma vingança gradativa que solapa a solidariedade e cumplicidade entre elas e na sociedade como um todo. Quantos casais se ouvem, mas não se escutam? Quantos pais e filhos se ouvem ou conversam entre si, mas não se escutam?
Escutar significa estar presente, mas quase nunca temos tempo para isto, pois estamos em vários lugares ao mesmo tempo: celular, rede social, música, televisão, dirigindo e trabalho. Quando em uma refeição escrevemos e-mails e mensagens, ou gravamos recados e vídeos, o outro ou os outros leem as mensagens e vê televisão e ou escuta música, fica óbvio que estão ouvindo, mas não escutando. O alimento é ingerido mais como necessidade de reposição energética, às vezes, esfria e nem se sente o sabor!
Cada vez mais a refeição perde o valor afetivo e singelo em que as pessoas se olham, dividem sabores e experiências, trocam olhares e combinam códigos e carícias. Quase sempre, quando não se escuta e nem se celebra uma refeição isto representa o início do fim de relações verdadeiras que passaram a ser uma questão de conveniência e convenção, nada mais.
Não venha com frases feitas como: temos que ganhar a vida, a vida atual é assim mesmo, como faríamos diferente e outras para justificar o erro primitivo de não escutar as pessoas, apenas ouvi-las! Até temos os especialistas em escutar: o psicanalista! Infelizmente quase mais ninguém escuta ninguém, apenas ouve! Daí vem a superficialidade das relações, a fragilidade dos laços e a alta frequência das rupturas.
NA SOCIEDADE
A falta de solidariedade, fraternidade, tolerância e do gostar de gente vem da falta de ser escutado e escutar! Quem não é escutado se sente rejeitado, menosprezado e tem a certeza de que ninguém lhe gosta! Apenas ouvimos e não escutamos! Em uma sociedade justa e rica em bem-estar, escutar o outro faz parte de sua autodescrição.
Dois importantes e experientes educadores brasileiros,
Severino Antônio e Kátia Tavares, disseram que um dos modos mais significativos
de tratar o ser humano como sujeito é reconhecer que ele tem voz, tem o que
dizer e precisa ser escutado. Para eles, com a escuta, as pessoas podem se
reconhecer umas às outras. Sem ela não há diálogo genuíno, não há encontros
singularmente humanos. Como é gostoso ser escutado e como nos faz bem escutar o
outro, pois nos reconhecemos mutuamente como humanos que somos!
Algumas pessoas atraem as demais para conversarem, são chamadas de carismáticas e até reconhecidas como gurus e líderes. Se a sua figura humana representar a frase “venha que eu escuto você”, estará cercado de pessoas reconhecendo-o como um humano especial. Quase todos queremos ser escutados, mas quase ninguém quer escutar o que o outro tem a dizer. É uma pena, mas as pessoas nem mais escutam a si mesmo!
Alberto Consolaro –professor titular pela USP -consolaro@uol.com.br
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