AGENDA CULTURAL

13.1.22

Um homem menor que a sua obra - Antônio Reis

O sérvio Novak Djokovic está no centro das atenções não pelo talento que o fez um dos maiores tenistas de todos os tempos, mas por se recusar a tomar vacina contra a covid-19, doença que já matou 5,5 milhões de pessoas no mundo em pouco mais de dois anos.

Detido por cinco dias ao tentar entrar na Austrália sem ter tomado o imunizante, o sérvio teve cassado o visto de permanência naquele país e, consequentemente, impedido de disputar o badalado Grand Slam de Melbourne. No sexto dia, o juiz federal Anthony Kelly  (lá também se faz lambança nos tribunais) devolveu ao craque da raquete o direito de continuar em solo australiano e disputar o torneio.

A decisão do marreco pode ser reformada pelo Ministério da Imigração e, nesse caso, o número 1 do mundo no ranking da Associação de Tenistas Profissionais ficaria impedido de entrar na Austrália nos próximos três anos. Ou se ficar provado que mentiu às autoridades por omitir viagem nos 14 dias anteriores à sua chegada àquele país, poderá ficar preso por até 12 meses. Será uma grande perda para o famoso Grand Slam do Austrália Open. Logo...

Djokovic vive a contradição de ser filantropo e misantropo ao mesmo tempo. Com infância e adolescência marcadas pelos horrores da guerra da Bósnia, o tenista mantém em seu país uma instituição filantrópica, a Fundação Novak Djokovic, que constrói pré-escolas e treina professores para dar às crianças de famílias pobres a oportunidade de brincar em ambiente seguro e serem estimuladas a se dedicaram aos estudos. Patriota de carteirinha, distribui raquetes para jovens com queda pelo seu esporte para que um dia defendam a pátria nas quadras e onde mais puderem.

Por outro lado, o misantropo mostra seu desprezo pela espécie ao organizar um torneio de tênis no auge da pandemia, em meados de 2020, como se o mundo todo estivesse em completa normalidade. Em dezembro passado, ele contraiu a doença e mesmo assim foi ao encontro de jovens tenistas para a distribuição das raquetes. Sem máscara, abraçou os meninos e posou para fotos, igual a um filme que os brasileiros veem diariamente. Com sua prática e pregação negacionistas, se tornou também um ícone do movimento antivacina.

Considerado arrogante e comparado a uma criança mimada, ele é costumeiramente vaiado e xingado em quadra pelos torcedores, apesar do inegável talento. Djoko é um exemplo de ser humano que não está à altura de sua obra, seu talento não desperta a simpatia e a altivez comuns às estrelas do mundo esportivo, pelo contrário, acende nos seus iguais o sentimento de indiferença pelo sofrimento e pela vida alheia. Talvez procure na ioga, na meditação e no veganismo a espiritualidade para compensar sua misantropia.

Djokovic, o espanhol Rafael Nadal e o suíço Roger Federer, os três maiores da atualidade, conquistaram cada um 20 Grand Slams. Se o sérvio ficar na Austrália e conquistar o título em Melbourne, deixará os concorrentes para trás, além de levar ao êxtase a bolha negacionista. A disputa irá mexer com torcedores e bolsas de apostas em todo o mundo. Eu já fiz minha escolha. 

(*) Antônio Soares Reis é jornalista e ativista do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras.

Um comentário:

Brito disse...

Parabéns pelo belo texto