São Paulo, fevereiro de 2023 – Em 1961, um ano após o lançamento de seu primeiro livro, o renomado "Quarto de Despejo", Carolina Maria de Jesus viu suas composições musicais serem lançadas em disco. Com o mesmo nome da obra que a fez famosa, o álbum foi lançado pela gravadora RCA Vitor e em suas 12 faixas homenageava uma das paixões da escritora: o carnaval, recheado de sambas e marchas. Agora, o Selo Sesc prepara o lançamento de uma releitura desse disco, um álbum digital chamado Bitita – As composições de Carolina Maria de Jesus, que recupera a força de suas letras, e dá protagonismo ao batuque.
Em Bitita - As Composições de Carolina Maria de Jesus tudo se constrói pela base: a harmonia e o ritmo se misturam pelas nuances das vozes dos tambores, da agudíssima cuíca ao grave estrondoso dos dununs. Presentes em todas as músicas, os tambores aparecem mais "crus", dialogando diretamente com a voz. A ideia, segundo Sthe Araujo, responsável pela produção do projeto, é a de retomar tradições musicais como cantos de trabalhos e cantos sagrados, em que a melodia é conduzida diretamente pela voz, contando também com o coro formado por homens.
A percussão no álbum é tocada por cinco percussionistas (AfroJu Rodrigues, Xeina Barros, Maurício Badé, Cauê Silva e a própria Sthe Araujo), explorando o máximo de suas vertentes de timbres, vozes, ritmos e intensidades. As vozes que dão corpo ao disco são dos intérpretes Nega Duda, Girlei Miranda, Mestre Nico e Sthe Araujo. Segundo Sthe Araujo: "Quando instrumentos melódicos e harmônicos são convidados à baila, isso se dá no intuito de engrandecer e reforçar o sentido percussivo da fala, da letra, do jogo poético e do drible de Carolina, com a contribuição de músicos de peso. Bitita faz reverberar a voz de Carolina, mas não apenas isso. Dentro dessa releitura experimental, ecoam múltiplas vozes negras passadas, presentes e futuras."
O primeiro passo para a chegada do álbum digital é o lançamento do single Moamba no próximo dia 24 de fevereiro. Com as vozes de Nega Duda e Sthe Araujo, a composição de Carolina Maria de Jesus conta sobre as mazelas da pobreza com versos como "Eu não tenho casa / Nem comida pra comer / Ai, meu Deus, trabalho tanto / E vivo nesse miserê". A escritora que transformou sua vivência como moradora na favela do Canindé em São Paulo em arte trouxe também à música seu olhar perspicaz sobre a pobreza, o racismo, a moradia precária. Ela criou crônicas de um cotidiano que é reconhecido até os dias atuais em inúmeras cidades brasileiras.
Nascida em 1914 na cidade de Sacramento no estado de Minas Gerais, Carolina Maria de Jesus tem sua trajetória homenageada na exposição Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, uma correalização de Instituto Moreira Sales e Sesc São Paulo. A mostra, que passou pelas cidades de São Paulo, Sorocaba e está em cartaz até 12 de março de 2023 no Sesc São José do Rio Preto, apresenta ao público sua produção autoral, além de destacar facetas pouco conhecidas de sua produção, como as incursões como compositora e cantora. Junto com o álbum "Quarto de Despejo", dois cadernos manuscritos (Um Brasil para os brasileiros: contos e poemas, e outra coletânea do mesmo gênero, sem título), itens do acervo da escritora, estão sob guarda do Instituto Moreira Salles desde 2006.
Tanto a capa do single Moamba quanto a do álbum Bitita – As composições de Carolina Maria de Jesus são ilustradas com obras da artista Fran Silva. Usando a técnica de colagem, Fran constrói um trabalho que coloca as mulheres pretas em primeiro plano. A imagem original (fotografada pela escritora Zélia Gattai) apresenta Carolina Maria de Jesus trajada em roupas de festa, costurada por si mesma, para o Carnaval. Nada mais apropriado para apresentar o repertório do álbum do que a figura alegre e festiva da compositora. Também é simbólico o uso de colagens feitas a partir do papel. Afinal, quando publicou seu primeiro livro, Carolina costumava trabalhar como catadora na cidade de São Paulo, lidando diariamente com papeis, que também estavam consigo nos momentos de confidência sobre sua vida na favela do Canindé e na escrita de ficções e letras de músicas.
A exposição, o lançamento do single e o álbum digital reforçam a importância dessa figura tão significativa para a história da população negra no Brasil. Escritora de sua própria história, Carolina Maria de Jesus é uma legítima intérprete do país, alguém que não só entendeu de modo crítico os problemas do Brasil, como inclusive os viveu em seu próprio corpo. E é através de seu legado, sobretudo em palavras escritas, que tantos outros artistas interpretam e reinterpretam suas obras, tentando superar os desafios enraizados neste território.
Em formato digital, o álbum Bitita – As composições de Carolina Maria de Jesus tem lançamento previsto para o dia 03 de março de 2023. No mesmo mês, estão previstos shows em unidades da rede Sesc no estado de São Paulo. A reedição deste álbum foi idealizada no contexto da curadoria da exposição Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, realizada originalmente pelo Instituto Moreira Salles com itinerâncias nas unidades do Sesc em Sorocaba e São José do Rio Preto.
Ouça o álbum “Bitita – As composições de Carolina Maria de Jesus" nas plataformas de streaming e no Sesc Digital
Tracklist:
1. Macumba (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Nega Duda
2. O pobre e o rico (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Nega Duda
3. A Maria veio (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Mestre Nico
4. Vedete da Favela (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Girlei Miranda
5. Simplício (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Mestre Nico
6. O Malandro (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Mestre Nico
7. Pinguço (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Girlei Miranda
8. Ra re ri ró rua (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Nega Duda
9. Acende o fogo (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Girlei Miranda
10. As granfinas (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Mestre Nico
11. Moamba (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Nega Duda/Sthe Araujo
12. Quem assim me vê cantando (Carolina Maria de Jesus) – Voz: Nega Duda
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Direção artística: Sthe Araujo
Produção Musical: Sthe Araujo
Co Produção: Caê Rolfsen
Percussão: AfroJu Rodrigues, Xeina Barros, Maurício Badé, Cauê Silva, Sthe Araujo
Coro: Pedro Lucas Pilar, Aloysio Letra, Tiganá Macedo
Guitarra: Lello Bezerra
Cavaquinho: Henrique Araújo
Trombonista Arranjador: Allan Abbadia
Vozes: Nega Duda, Girlei Miranda, Mestre Nico e Sthe Araujo
Ilustração das capas: Fran Silva
Fotos: Ricardo Ferreira
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