AGENDA CULTURAL

13.5.23

Flávio Dino, o vingador

Sérgio Lírio - Carta Capital 

O presidente Lula, dizem, anda satisfeito com o desempenho do ministro da Justiça, Flávio Dino. Não sem razão. De certo modo, o ex-governador do Maranhão deu a volta por cima e passou a ser a estrela mais brilhante da constelação governista em Brasília. Nas horas subsequentes aos atos terroristas de 8 de janeiro, quando Dino pareceu momentaneamente vacilar na reação aos acontecimentos, houve quem vaticinasse seu fracasso absoluto e a demissão precoce.

O tempo deu-lhe razão. Enquanto o mundo desabava ao redor e os corvos se agitavam, o ministro organizava a reação que impediu os militares de depositar na Praça dos Três Poderes um cavalo de Troia, o decreto de GLO que daria poder aos generais para consumar o golpe.

Dino parece ter percebido naquele instante o tamanho do perigo e a urgência de arrancar do solo da República as sementes antidemocráticas. Aprendeu com o episódio, mais do que outros colegas de Esplanada. Desde então, o ministro iniciou uma cruzada contra o ecossistema de ódio e desinformação: dos CACs ilegais aos golpistas, dos celerados no Congresso à hipocrisia das Big Techs. E o faz com firmeza e leveza.

Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”, dizia Che Guevara. E sem perder o humor, acrescentaria o ministro.

Muitos se surpreendem com o tirocínio de Dino. Eu não. Acompanho há muito tempo a trajetória do ex-juiz. Tive a oportunidade de ouvi-lo inúmeras vezes, desde os tempos de deputado federal. Em 2019, quando se tornou o alvo preferencial do desprezo de Jair Bolsonaro pelos nordestinos, escrevi uma reportagem de capa nesta revista intitulada “O inimigo paraíba”. Por três dias, em Brasília e São Luís, acompanhei as andanças do governador e conheci sua história. Ele, mais cristão do que comunista, me mostrou o “presépio” sincrético que enfeitava seu gabinete e no qual São Francisco dividia espaço sem constrangimento com Ho Chi Minh. Imagino que o oratório enfeite sua sala no ministério – qualquer proteção é bem-vinda.

O ministro tem luz própria, é espirituoso e não se acovarda. Diria preparado, se o adjetivo não tivesse sido desmoralizado pelo uso excessivo dos colunistas políticos ao se referir ao tucano José Serra.

Parênteses: até pouco tempo atrás, segundo o jornalismo “profissional”, Serra estava habilitado a assumir qualquer função ou missão no planeta – e em outras galáxias, caso se comprovasse a existência de vida fora da Terra. Presidente da República? Sem dúvida, mas não só.

O Palmeiras precisa de um novo centroavante? Convoquem Serra.

O concílio do Vaticano vai escolher o novo papa? Serra é um santo homem.

Quem é o favorito no Big Brother Brasil? Serra, o popular. Nobel da Paz? De Literatura? De Medicina (que dúvida, ele foi o melhor ministro da Saúde da história do País)? De Física? Química? Mandem todos. Falta um Oscar? Se Walter Salles tivesse escalado Serra no lugar de Fernanda Montenegro para o papel de Dora em “Central do Brasil”, aquela noite de 1999 no Dorothy Chandler Pavilion teria sido diferente.

Desculpe, não poderia deixar passar a oportunidade. Bem, falávamos de Dino. Independentemente dos percalços do governo Lula, das boas, não tão boas e más notícias, o ministro é uma nota à parte e tem proporcionado à distinta e ansiosa plateia alguns instantes de diversão, o que não é pouco. São inúmeras as frases antológicas e cito apenas as mais recentes:

“Se o senhor é da Swat, eu sou dos Vingadores” (resposta ao senador Marcos do Val).

“Fui juiz, nunca fiz conluio com o Ministério Público. Nunca tive sentença anulada” (ao senador Sergio Moro).

“O senhor acredita no que diz, o que é mais grave. Porque o senhor, realmente, parte de um sistema de crenças próprias e singulares que não tem aderência na realidade” (ao deputado Deltan Dallagnol).

Um amigo um tanto empolgado e um tanto tiozão vaticinou: Lula será reeleito em 2026, mas, a partir de 2030, o futuro a Dino pertence.

Será? As águas mal começaram a rolar debaixo da ponte. O curso da história, como sempre, afogará promessas e ambições. Até agora, no entanto, a canoa do ministro navega pelas correntezas sem perder o prumo. Faltam Dinos no governo.



Nenhum comentário: