AGENDA CULTURAL

18.7.23

Joelhos podres

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Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP 

Qualquer que seja a idade de um homem, ele pode ficar alguns anos mais moço facilmente. Basta botar um cravo vermelho na lapela – Mark Twain

Costumo dizer que meus joelhos estão podres. Há pessoas, ao ouvir tal despautério, ficam admiradas com tal franqueza. Não vou usar os nomes científicos para meus males, nem me valorizar com eles. É a dura realidade: os joelhos envelheceram, estou com sobrepeso, então chiam, reclamam. Como? Doendo, limitando meus movimentos. 

Toda conversa entre idosos cai no lugar comum: as dores. E sempre digo que todos os problemas de nossa ossatura advém do fato de o ser humano ser bípede, colocar-se de pé, ficar ereto. 

E um dos caras de uma roda de conversa, foi logo me perguntando se eu não acreditava no criacionismo,  em Adão e Eva. Respondi-lhe que isso não importava, pois a única verdade que me interessava nessa minha faixa etária eram meus joelhos podres que me incomodavam com suas dores.

Inventamos o diabo para aliviar nossas culpas, se livrar das responsabilidades. Se acredito no demo, jogo todos os meus  erros (pecados) nas costas do diabo, não faço autocrítica, não analiso meu comportamento e nem me pergunto: onde errei?  

Eu que confessei ao mundo que, sendo aposentado,  iria corrê-lo, livre de assinatura do ponto, morar 15 dias do mês em Araçatuba, outros 15 no mundo, tive que voltar atrás. Exterior mesmo, só conheci o Paraguai e a Itália. Joelho podre me segurou muito, mas doença na família grudou os dois pés do Consa no solo de Araçatuba.

Aquele jovem fogoso que desejava viver intensamente o presente, com olhos no futuro, foi mesmo seguro pelo passado. Acordei o lavrador sedentário que mora em mim e pus para dormir o caçador aventureiro. 

Não tem nada não, o tempo é uma mediocridade humana feita em três camadas e organizadas pela cronologia de nossa limitação. Como escreveu Millôr Fernandes: no cotidiano da vida é que os anos passam, as horas preciosas são as mais rápidas.

Além disso, em nome de gozar a vida (epicurismo), não poderia abandonar mãe e mulher com suas dores. Não houve diabo que me fizesse ser um irresponsável. Para me ajudar no cumprimento de meus nobres sentimentos, Deus me mandou os joelhos podres. Assim continuei a viajar sem sair do lugar, lendo livros e vendo filmes. 

Não se irrite, caro jovem, porque escrevi novamente sobre os velhos. Não há remédio, sou do tempo em que o relógio tinha ponteiros. Não há nada mais chato do que ver um septuagenário matar o tempo.     

2 comentários:

Ventura Picasso disse...

Carregando o peso do passado, vejo a minha geração abandonado o barco, vivo o presente sem dores físicas mas, a alma traz lamentos indagando: como será o futuro?


Anônimo disse...

Realmente a vida nos prega uma peça, sonhamos com o muito, com as aventuras fora de nossa residência,mas vem as dores,o cuidar dos entes queridos.E falando em relógio de ponteiros,para não saber quantas horas tristes você vai viver, arranque os ponteiros de seu relógio.Gosyei da crônica, grande abraço do poeta de Guararapes SP.