AGENDA CULTURAL

22.7.23

Romantismo e democracia racial

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

A história da literatura brasileira é dividida em escolas literárias (ou movimentos). Há até uma linha do tempo delas, onde aparecem dois movimentos significativos para a afirmação de nossa brasilidade: Romantismo e Modernismo.

Romantismo coincide com o período da Independência do Brasil, quando a nação está formando o seu caráter. O Modernismo (1922) traz a questão cultural, a antropofagia: aceitar os valores estéticos europeus, mas dar a nossa cor a eles; abandonar o lusitanismo linguístico.  

O foco deste texto é o Romantismo. Como não tivemos a Idade Média, pois os brancos chegaram em 1500 e encontraram os povos originários (índios) que não se deixaram escravizar, os heróis de nossa literatura foram: Peri (1857), Iracema (1865), Ubirajara (1874). A ideia do bom selvagem de Rousseau adotada na época. O negro ficou de fora. 

A tese de José de Alencar em seus romances indianistas (românticos) era que o povo brasileiro seria fruto da miscigenação. Enquanto isso, a miscigenação entre branco e negro ocorria na casa grande com senhores donos de escravos engravidando mucamas.

Iracema: Moacir, filho da união de Iracema com Martim Soares Moreno, funda o estado do Ceará. O Guarani: o beijo final de Peri e Cecília inicia um Rio de Janeiro diferente da simples fundação colonial. Ubirajara: guerreiro que dá nome ao livro dobra os arcos das duas nações, tocantim e araguaia, unindo-as e dando origem à nação Ubirajara. Nesse livro o branco não aparece, o indígena está em estado puro. 

Durante o Romantismo, publicou-se o livro de Bernardo Guimarães "Escrava Isaura". Na verdade, a protagonista da história era uma escrava esbranquiçada, pois foi escrito numa época em que havia pouquíssimos leitores e os romances eram lidos, sobretudo, pelos ricos da época que dificilmente aceitariam um livro cuja personagem principal fosse negra. O racismo se encontra presente na obra. 

Sem a presença do negro em suas histórias, José de Alencar dá os primeiros passos para o mito da "democracia racial", termo usado por Gilberto Freye (Casa grande & sensala) no início do século 20 e empregado até hoje, mas  rechaçado pela militância do antirracismo. O brasileiro não é um homem cordial, como afirmava Sérgio Buarque (Raízes do Brasil).  

Assim, com negros trazidos da África, o rosto do Brasil era negro, embora fosse conduzido por uma elite branca. Após proclamação da República, europeus e orientais foram chamados para migrarem para o Brasil. O objetivo dessa ação, além de substituir a mão de obra escrava, era o branqueamento dos brasileiros, amorenar o rosto da população.  

A ideologia da democracia racial serve para mascarar o racismo, pois ela não existe, há mesmo um abismo imenso que segrega populações negras, indígenas da população branca.

José de Alencar, romântico, construiu belas histórias com a tese da miscigenação, previu o que ia acontecer, mas não conseguiu eliminar os conflitos, nem a história da democracia convenceu. 

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