AGENDA CULTURAL

7.3.14

Abaixo os nerds!

Hélio Consolaro*

Vivemos numa sociedade moralista, ou melhor, com uma classe média quatrocentona que quer criar um país à sua imagem e semelhança. Se alguns arautos dessa classe, que não forma mais opinião, por isso se desespera, não gosta disso ou daquilo, quer uma lei proibindo tudo. E há parlamentares que caem nessa pasmaceira e apresenta projetos, até inexequíveis, apenas por que alguém pediu. Logo, estaremos proibidos de respirar.

O Tribunal Superior Eleitoral proibiu recentemente que os candidatos façam propaganda por telemarkting. Também não poderão usar apelidos que indicam lugares onde o candidato trabalha ou trabalhou, como “Carlinhos do 3.º DP”, por exemplo.  

Para muitos analfabetos políticos, o tribunal devia ter decidido também outras coisas sobre candidaturas, como impedir a distribuição de santinhos, porque eles sujam a cidade, como se as sacolinhas de supermercados fossem mais ecológicas. A classe média usa sacolinhas adoidado.

Já proibiram os candidatos de usar o outdoor, mas podiam proibir a propaganda eleitoral na internet. Tais analfabetos políticos não gostam mesmo de democracia. Que tal proibir que o candidato use o seu nome e o seu número em propaganda eleitoral? Vamos reeditar a Lei Falcão!

Político não devia nem fazer discurso, porque é um ser inútil, só fala bobagem, fazendo promessas vazias. “Calemos os políticos”, essa é a palavra de ordem dos obtusos. 

Os eleitores que sabem votar, portadores de diplomas universitários, merecedores de cargos por causa disso, os doutores da lei, não querem ser importunados. Para eles, tudo se resolve por concurso. E quando não conseguem passar, justificam sua burrice pela frase “não passei porque houve marmelada”, entram com ação na Justiça.

Todo candidato devia ter sua prisão domiciliar decretada até terminar a eleição, sem sair de casa para fazer campanha eleitoral. Teríamos uma democracia sem ter candidaturas.

Candidato que pedisse voto a alguém seria preso em flagrante como falta de decoro, como molestação ao cidadão. Na verdade, o candidato devia morrer de vergonha em ser candidato e permanecer no período eleitoral debaixo da cama. 

O melhor regime para os analfabetos políticos é a meritocracia, a tecnocracia. Só pode ter cargo quem estudou e passou em concurso, como os ministros do TSE. Sejamos dirigidos por nerds autoritários que nunca conseguiram se eleger para nada, porque são chatos, nunca foram representantes de classe nas escolas onde estudaram.

Os analfabetos políticos querem a volta da ditadura militar. Dizem que o brasileiro não sabe votar,  querem chamar os japoneses para nos governar.
Voltemos à ditadura militar. Deixemos que estrangeiros cuidem de nosso destino! Somos um povo incapaz!  

Incapaz porque não votamos nos candidatos deles!


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP 

Um comentário:

Maria Cecilia D.B.Pinto disse...

Professor Hélio, bom dia!

Concordo com seu texto, sua crônica, sua crítica. Não dá mais para vivermos dessa forma, mas o que fazer sendo que hoje não se ensina mais a pensar?
Eu me esforço para desenvolver nas crianças que me cercam um pouco de lucidez e autonomia. Estimulo o exercício de pensar e analisar os fatos, os ambientes, as pessoas...
Eu me esforço para evitar crescer nas crianças que eu convivo, essa cultura do consumismo vazio, tento mostrar que pessoas valem mais que as coisas e que devemos sempre nos interessar pela família, cultivar amigos e buscar crescer com cultura geral. Mas professor, como fazer isso em escala municipal? Estadual? Nacional?
O Brasil está doente, muita gente equivocada e perdida, diria até iludida - e com as fanatizadas nem dá para conversar. Por onde começar?
Sabe filme de magia, quando chega ao meio e tá todo mundo hipnotizado e só a turminha "do bem entende tudo o que acontece?" É assim que me sinto... Não que eu esteja certa, longe de mim defender uma verdade única e unilateral, mas tenho medo da falta de autonomia das pessoas, da preguiça de pensar e lutar por algo melhor, do comodismo em ser refém de maus políticos e bandidos em geral. Do pragmatismo e pessimismo sem fim, sem esperança e sem fé. Mas como ter fé né? Não estão mais ensinando isso, é capaz de perguntarem daqui um tempo: Onde compra essa tal fé?
Precisamos ter esperança na mudança, precisamos ter vontade de mudar, precisamos ter conhecimento político para entendermos como tudo funciona e exercermos nossa cidadania e colocarmos em prática a verdadeira democracia - poder do povo. Mas o povo tem as armas e não sabe usá-las...
Continuemos nosso trabalho de formiguinha.

Grande Abraço

Maria Cecília Della Barba Pinto