AGENDA CULTURAL

17.3.15

Professor Arnot

Hélio Consolaro*

17/03/2015 – Na quinta-feira, 11h30, saindo da Prefeitura, indo até a Casa de Cultura Adelino Brandão, o volante me fez largar a av. Luís Pereira Barreto e adentrar a Cristiano Olsen, rumo à Cooperativa dos Bancários. Locais de Araçatuba-SP.

Eu estava devendo uma visita ao professor Antônio Arnot Crespo, que aprendi a conhecê-lo nas reuniões da Academia Araçatubense de Letras. Assim, bebericando em oportunidades ímpares, fomos nos tornando amigos.

Já quase cego, há muitos anos com tal deficiência, enfermo (ultimamente, depois da morte da esposa, no leito), pedi-lhe para que nossa conversa andasse, que dissesse uma frase. E ele afirmou que o trabalho não trazia prazer. Conversamos bastante sobre isso, estava lúcido. Era um jovem de 66 anos recebendo lições de um idoso com 90.

E deixei-lhe o meu livro como presente: “Casar! Contra quem”, com uma dedicatória, embora soubesse que não ia jamais passar os olhos sobre ele devido à cegueira. Título que contradizia a vida do casal Arnot e Netinha, com certeza, porque ambos se “casaram com”. Não sabíamos que aquele encontro era a despedida de dois amigos.


Não fui seu aluno por obra da casualidade, pois eu era aluno e ele professor de Matemática do antigo I.E. de Araçatuba. A atribuição de aulas, a distribuição de classes não deixou que nos encontrássemos.

Professor Arnot cuidou de sua esposa, a professora Netinha, também do I.E., por mais de década, pois ela estava com mal de Alzheimer. Perguntava os amigos por que tanto zelo se ela não o reconhecia mais. E ele respondia que ele sabia quem era ela, a  sua esposa, a mãe de seus filhos, portanto era ético dedicar-lhe tantos cuidados.

Como acadêmico da Academia Araçatubense de Letras era o que mais vendia livros pelos dois títulos publicados pela Editora Saraiva, já chegando à 15.a edição: “Matemática Financeira Fácil” e “Estatística Fácil”. Ele não era formado por universidades famosas, fez curso superior em faculdades como Pereira Barreto e Andradina, depois de ter anos de magistério via Cades (Campanha de
Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, criada em 1953). Não era um exímio teórico, mas era um excelente professor. E assim, mesmo aposentado, enfermo, agora, falecido, continuará a ensinar matemática e estatística por meio de seus livros.


Meu carro não quis me levar até a Capela Cardassi, nem ao cemitério. Ele quis que eu ficasse com a última imagem, com bonitas palavras, daquela quinta-feira, 12/03/2015, que foi uma lição de vida.


* Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário Municipal de Cultura de Araçatuba-SP

2 comentários:

HAMILTON BRITO... disse...

Fico triste. Fui aluno dos dois. Aprendi mais com ele do que com o professor Sílvio...este, mais sabedor da matéria; aquele, om mais metodologia. Se comunicava melhor.Que Deus o tenha.

Antenor Rosalino disse...

Comovente crônica de quem teve o esclarecimento necessário para absorver a grandeza de um elo de amizade dos mais gratificantes e construtivos. Que Deus proteja a alma desse exemplo de vida que foi o professor e acadêmico Antonio Arnot Crespo e conceda o conforto necessário a todos os seus.