AGENDA CULTURAL

29.9.15

A moça da zona

Hélio Consolaro*

Você, caro leitor, que é mais novo (ou mais nova), já ouviu dizer a expressão: aquela sala está uma zona! Ou seja: está uma bagunça!

No dicionário, a palavra “zona” pode significar área ou espaço limitado. Zona azul, por exemplo, porque sarjetas são pintadas dessa cor, mostra que o estacionamento de veículos ali é cobrado. Mas pode significar outras coisas, dentre elas, ruas em que se acha estabelecido o meretrício.

Não sabe o que seja meretrício, caro leitor? Um cronista velho anda com o vocabulário passivo carregado de arcaísmos (palavras velhas, desusadas). Zona do meretrício ou lupanário era o lugar onde a sociedade muito machista isolava as “mulheres da vida”, porque as esposas eram as “mulheres da morte”. Esse lugar era chamado por redução de “zona”, lugar de muita alegria para os homens.

Então, caro leitor, a minha crônica hoje se refere à moça que trabalha na zona azul de Araçatuba, aquela que vai olhar se seu carro tem o tíquete de pagamento que lhe dá o direito de estacionar. A vida urbana nos cria certas armadilhas e quem não quer se submeter a elas, deve procurar viver no campo, na zona rural, com muita largueza.

As moças da zona (azul) não se perderam, muitas podem ser até virgens, estão felizes porque arrumaram um trabalho para ganhar a vida com decência. Não que as “mulheres da vida” não sejam decentes, são apenas mal vistas pela sociedade.     

O trânsito de uma cidade precisa ser organizado, porque todo mundo quer andar montado, se possível, motorizado. Assim, criou-se há muitos anos o expediente da “zona azul”, cobrar para estacionar como forma de estabelecer o rodízio.

Quando a moça da zona sai para trabalhar, ela reza para encontrar pelas ruas gente pacífica, com civilidade, resumindo, que tenha educação. Sempre existiu a arrogância, mas hoje ela está muito à flor da pele, porque certas pessoas não aceitam ser cobrado por uma moça da zona azul, uma empregadinha da periferia: quem você pensa que é, você sabe com quem está falando?!

Eu responderia: “sou uma cidadã, ganhando minha vida honestamente”. E completaria: “Estou falando com um saco de tripas como eu”. Lógico que elas são treinadas para terem nervos de aço e raramente são mal-educadas.

Então, a arrogância é uma especialidade masculina, mas ela anda invadindo os corações femininos também. Então, sujeito ou sujeita, a zona azul não é uma zona, é um princípio de organização do trânsito de veículos numa cidade.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

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