Lauren Bennett Cattaneo*
Na revista SGI Quiarterly - abril de 2015
Os
esforços que visam capacitar outros devem assentar num entendimento claro do
que o empoderamento significa, argumenta Lauren Bennett Cattaneo.
Em meu
trabalho na área da violência doméstica , dou consultoria a estudantes de
Direito que representam vítimas que estão no tribunal pela primeira
vez. Os alunos são inteligentes, engenhosos e energéticos, e querem muito
ajudar seus clientes. As vezes, como fazem diversas organizações que trabalham
em nome da população carente, eles dizem que seu propósito é capacitar os
clientes.
Gostaria
de apresentar argumentos que eles não podem usar. Na verdade, nenhum de nós
pode empoderar clientes, comunidades ou entes queridos que desejam beneficiar.
O que podemos fazer é facilitar o processo de empoderamento no qual essas pessoas
já estejam engajadas. Em algumas situações, este ponto é mera questão
semântica. Esses estudantes de Direito citados em meu exemplo estão fazendo um
bom trabalho e útil - não importa como o chamamos, certo?
Acredito
que isso não importa. Empoderamento, no sentido mais verdadeiro , está
relacionado à justiça social. Ele tem o potencial de ser uma mudança profunda e
duradoura, que vai além de muitas formas de ajuda, mesmo quando essa ajuda é
necessária e efetiva. Empoderamento é algo mais.
O Significado Impreciso de Empoderamento
O
conceito de empoderamento é envolvente. Ressoa com os valores da justiça, da
autodeterminação, focando os pontos fortes das pessoas ao invés de seus
déficits. Consequentemente, o termo é onipresente em todos os contextos. É
atraente pensar em seu próprio trabalho como algo que empodera os outros e
pensar em si mesmo como alguém empoderado.
No
entanto, uma pesquisa na Internet revela rapidamente como a atratividade deste
conceito tenha deturpado seu significado. Em essência, o empoderamento passou a
representar quase tudo o que é feito com a intenção de ajudar uma pessoa ou
comunidade. Na área da violência doméstica, fiquei frustrada com a falta de
compreensão do termo, o que impediu uma clara investigação e avaliação e forneceu
muito pouco para orientar a prática: Se aqueles que desejam promover o
empoderamento não têm consenso sobre o que significa, como podem desenvolver
uma compreensão das melhores práticas e compartilhar informações? Ao analisar o
trabalho de base sobre o assunto, descobri que este é um problema que se
estende além do meu campo de atuação.
Desenvolvi um modelo que eu esperava, ajudaria
a definir o cenário para a utilização compreensível e consistente do termo em
diferentes contextos.
O Modelo de Processo de Empoderamento
O
modelo que desenvolvi e aperfeiçoei com os colegas define empoderamento como
"um processo em que uma pessoa ou um grupo estabelece intrinsecamente
metas significativas relacionadas ao poder, toma medidas para alcançar esses
objetivos; e reflete sobre o impacto dessas ações, com base em seus recursos
comunitários , autoeficácia, habilidades e conhecimentos.
"
Três
pontos-chave emergem deste modelo:
1.O empoderamento diz respeito a
poder, por isso é tanto psicológico como social.
As
pessoas têm a percepção de que o poder não é algo que uma pessoa possui em
particular, mas é algo dedicado ao coletivo. É a capacidade de influenciar os
outros, de ser ouvido pelos outros, de perseguir seus próprios objetivos com a
ajuda ou apesar dos outros, ou ainda de resistir às exigências dos outros.
Empoderamento, portanto, como uma mudança no poder, exige algo do mundo social.
Se ninguém mais sabe sobre ele, não é empoderamento.
Ao
mesmo tempo, a capacidade de influenciar, ser ouvido, perseguir metas ou
resistir a pressão social tem profundo impacto psicológico. Por essa razão, o
empoderamento é uma ponte entre o psicológico e o social; é uma mudança em
ambos os contextos.
Os
estudantes de direito, por exemplo, podem trabalhar arduamente defendendo sua
cliente, e ela pode sentir-se satisfeita com
esse trabalho; quando a cliente entra na sala do tribunal para sua
audiência, ela pode se sentir confiante e até poderosa. No entanto, se esses
sentimentos não se traduzem em uma mudança em seu mundo social - se o juiz não
lhe dá ouvidos e se o parceiro abusivo também não - estes sentimentos serão de
curta duração, e o resultado pode ser realmente desempoderador.
2. O empoderamento está a serviço de objetivos
intrinsecamente significativos.
Se é
para servir àqueles que não têm poder, em vez de perpetuar a estrutura de poder
existente, o empoderamento deve ser coerente com as prioridades e os valores
das pessoas marginalizadas.
Intervenções
que se desviam desse sentido são muitas vezes bem-intencionadas. Os prestadores
de serviço ou ativistas acreditam
genuinamente que sabem o que seus clientes ou comunidades precisam. Eles
podem estar certos, mas o Modelo do Processo de Empoderamento nos impele a ter
certeza. Esse aspecto do modelo sugere que precisamos desenvolver uma visão de
dentro das prioridades e valores daqueles a quem pretendemos ajudar, e
precisamos ser sensíveis a essas prioridades; se são ou não convenientes ou se
se encaixam dentro da cultura de acordo com
nosso particular ponto de vista profissional.
Para os
estudantes de Direito, esse ponto os obriga a considerar as prioridades de seus
clientes fora da compreensão que o sistema legal traz desse problema é o que
isso significaria resolvê-lo. A pesquisa mostrou que, para muitos sobreviventes
de traumas, o envolvimento no sistema legal é uma forma de ganhar influência em
seus relacionamentos; na verdade,essa influência pode ou não pode exigir que se
prossiga todo o caminho com o processo legal como o sistema que deve configurá-lo.Políticas
existem em muitos estados norte-americanos, no entanto, exigem que a vítima
permaneça no processo legal durante todo o tempo, independentemente de suas
prioridades. Tais políticas têm o potencial de ser incapacitadoras.
3. O
empoderamento é um processo.
Como um
membro do corpo docente em um programa de doutorado de psicologia clínica, eu
trabalho com alunos que aprendem a ajudar as pessoas que estão em perigo
iminente. Como estudantes de direito, muitas vezes confundem sua participação na
vida do seu cliente como o começo da história, como em "Eu estou aqui.
Vamos começar." Na verdade, o melhor ponto de partida como ajudante é a
compreensão do todo da história desse cliente e, em seguida, explorar a melhor
maneira de facilitar o movimento em direção a seus próprios objetivos.
Empoderamento
é um processo intermitente; o fracasso de alcançar os objetivos precipita um
novo pensamento sobre essas metas, uma nova compreensão das barreiras
encontradas e novos esforços para obter recursos. Esse processo complexo,
multifacetado, é a razão de o empoderamento não ser algo que possa ser dado
como um presente. No entanto, pode ser facilitado ou impedido de maneira
efetiva. Quanto mais entendermos de onde nossos clientes ou comunidades vêm, e como eles se esforçam para alcançar seus próprios objetivos antes de
entrarmos na história, seremos mais
efetivamente capazes de desempenhar um papel positivo.
Facilitando o Empoderamento
Em
consonância com as múltiplas peças do processo do empoderamento (definir metas,
tomar medidas, considerar o impacto, desenvolver a autoeficácia, as habilidades,
os conhecimentos e os recursos da comunidade), é possível facilitar ou
dificultar o empoderamento de muitas maneiras. Para fazer o trabalho que
facilite o empoderamento, não é necessário englobar todo o processo. Porém, é
preciso situar o trabalho dentro desse contexto mais amplo: Como o trabalho
pode facilitar tanto a mudança social quanto a psicológica? Como ele se relaciona
com os objetivos que são intrinsecamente significativo para clientes ou comunidades?
Como isso se relaciona com a história mais ampla da jornada de clientes ou
comunidades?
Embora
essa noção ampliada do processo de empoderamento complique a nossa forma de
falar sobre o trabalho com as pessoas e comunidades vulneráveis, também tem o
potencial para conectar o trabalho bom e eficaz de curto prazo com a mudança
profunda e duradoura que vai além do nível de vida das pessoas, afetando as estruturas
sociais que as englobam.
Lauren Bennett Cattaneo é professora associada
e diretora de treinamento clínico na Universidade George Mason em Fairfax,
Virginia. Sua pesquisa foca na teoria de empoderamento, as interações entre as
vítimas de violência doméstica e os sistemas projetados para ajudá-las e na
capacitação profissional como um mecanismo para a mudança social.
*Laurent Bennett Cattaneo é professora associada e diretora de treinamento clínico na Universidade George Masonl, em Fairfax, Virgínia.
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