AGENDA CULTURAL

29.9.15

O significado do empoderamento e como facilitá-lo


Lauren Bennett Cattaneo*
Na revista SGI Quiarterly - abril de 2015

  Os esforços que visam capacitar outros devem assentar num entendimento claro do que o empoderamento significa, argumenta Lauren Bennett Cattaneo.

  Em meu trabalho na área da violência doméstica , dou consultoria a estudantes de Direito que  representam  vítimas que estão no tribunal pela primeira vez. Os alunos são inteligentes, engenhosos e energéticos, e querem muito ajudar seus clientes. As vezes, como fazem diversas organizações que trabalham em nome da população carente, eles dizem que seu propósito é capacitar os clientes.


  Gostaria de apresentar argumentos que eles não podem usar. Na verdade, nenhum de nós pode empoderar clientes, comunidades ou entes queridos que desejam beneficiar. O que podemos fazer é facilitar o processo de empoderamento no qual essas pessoas já estejam engajadas. Em algumas situações, este ponto é mera questão semântica. Esses estudantes de Direito citados em meu exemplo estão fazendo um bom trabalho e útil - não importa como o chamamos, certo?

  Acredito que isso não importa. Empoderamento, no sentido mais verdadeiro , está relacionado à justiça social. Ele tem o potencial de ser uma mudança profunda e duradoura, que vai além de muitas formas de ajuda, mesmo quando essa ajuda é necessária e efetiva. Empoderamento é algo mais.



O Significado Impreciso de Empoderamento

 O conceito de empoderamento é envolvente. Ressoa com os valores da justiça, da autodeterminação, focando os pontos fortes das pessoas ao invés de seus déficits. Consequentemente, o termo é onipresente em todos os contextos. É atraente pensar em seu próprio trabalho como algo que empodera os outros e pensar em si mesmo como alguém empoderado.

 No entanto, uma pesquisa na Internet revela rapidamente como a atratividade deste conceito tenha deturpado seu significado. Em essência, o empoderamento passou a representar quase tudo o que é feito com a intenção de ajudar uma pessoa ou comunidade. Na área da violência doméstica, fiquei frustrada com a falta de compreensão do termo, o que impediu uma clara investigação e avaliação e forneceu muito pouco para orientar a prática: Se aqueles que desejam promover o empoderamento não têm consenso sobre o que significa, como podem desenvolver uma compreensão das melhores práticas e compartilhar informações? Ao analisar o trabalho de base sobre o assunto, descobri que este é um problema que se estende além do meu campo de atuação. 

Desenvolvi um modelo que eu esperava, ajudaria a definir o cenário para a utilização compreensível e consistente do termo em diferentes contextos.

O Modelo de Processo de Empoderamento

 O modelo que desenvolvi e aperfeiçoei com os colegas define empoderamento como "um processo em que uma pessoa ou um grupo estabelece intrinsecamente metas significativas relacionadas ao poder, toma medidas para alcançar esses objetivos; e reflete sobre o impacto dessas ações, com base em seus recursos comunitários , autoeficácia, habilidades e conhecimentos. 
"
 Três pontos-chave emergem deste modelo:


1.O empoderamento diz respeito a poder, por isso é tanto psicológico como social.
  As pessoas têm a percepção de que o poder não é algo que uma pessoa possui em particular, mas é algo dedicado ao coletivo. É a capacidade de influenciar os outros, de ser ouvido pelos outros, de perseguir seus próprios objetivos com a ajuda ou apesar dos outros, ou ainda de resistir às exigências dos outros.

Empoderamento, portanto, como uma mudança no poder, exige algo do mundo social. Se ninguém mais sabe sobre ele, não é empoderamento.

 Ao mesmo tempo, a capacidade de influenciar, ser ouvido, perseguir metas ou resistir a pressão social tem profundo impacto psicológico. Por essa razão, o empoderamento é uma ponte entre o psicológico e o social; é uma mudança em ambos os contextos.

 Os estudantes de direito, por exemplo, podem trabalhar arduamente defendendo sua cliente, e ela pode sentir-se satisfeita com  esse trabalho; quando a cliente entra na sala do tribunal para sua audiência, ela pode se sentir confiante e até poderosa. No entanto, se esses sentimentos não se traduzem em uma mudança em seu mundo social - se o juiz não lhe dá ouvidos e se o parceiro abusivo também não - estes sentimentos serão de curta duração, e o resultado pode ser realmente desempoderador.

2. O empoderamento está a serviço de objetivos intrinsecamente significativos.
  Se é para servir àqueles que não têm poder, em vez de perpetuar a estrutura de poder existente, o empoderamento deve ser coerente com as prioridades e os valores das pessoas marginalizadas.
 Intervenções que se desviam desse sentido são muitas vezes bem-intencionadas. Os prestadores de serviço ou ativistas acreditam   genuinamente que sabem o que seus clientes ou comunidades precisam. Eles podem estar certos, mas o Modelo do Processo de Empoderamento nos impele a ter certeza. Esse aspecto do modelo sugere que precisamos desenvolver uma visão de dentro das prioridades e valores daqueles a quem pretendemos ajudar, e precisamos ser sensíveis a essas prioridades; se são ou não convenientes ou se se encaixam dentro da cultura de acordo com  nosso particular ponto de vista profissional.
 Para os estudantes de Direito, esse ponto os obriga a considerar as prioridades de seus clientes fora da compreensão que o sistema legal traz desse problema é o que isso significaria resolvê-lo. A pesquisa mostrou que, para muitos sobreviventes de traumas, o envolvimento no sistema legal é uma forma de ganhar influência em seus relacionamentos; na verdade,essa influência pode ou não pode exigir que se prossiga todo o caminho com o processo legal como o sistema que deve configurá-lo.Políticas existem em muitos estados norte-americanos, no entanto, exigem que a vítima permaneça no processo legal durante todo o tempo, independentemente de suas prioridades. Tais políticas têm o potencial de ser incapacitadoras.

3. O empoderamento é um processo.
 Como um membro do corpo docente em um programa de doutorado de psicologia clínica, eu trabalho com alunos que aprendem a ajudar as pessoas que estão em perigo iminente. Como estudantes de direito, muitas vezes confundem sua participação na vida do seu cliente como o começo da história, como em "Eu estou aqui. Vamos começar." Na verdade, o melhor ponto de partida como ajudante é a compreensão do todo da história desse cliente e, em seguida, explorar a melhor maneira de facilitar o movimento em direção a seus próprios objetivos.

 Empoderamento é um processo intermitente; o fracasso de alcançar os objetivos precipita um novo pensamento sobre essas metas, uma nova compreensão das barreiras encontradas e novos esforços para obter recursos. Esse processo complexo, multifacetado, é a razão de o empoderamento não ser algo que possa ser dado como um presente. No entanto, pode ser facilitado ou impedido de maneira efetiva. Quanto mais entendermos de onde nossos clientes ou comunidades vêm, e como eles se esforçam para alcançar seus próprios objetivos antes de entrarmos  na história, seremos mais efetivamente capazes de desempenhar um papel positivo.


Facilitando o Empoderamento

Em consonância com as múltiplas peças do processo do empoderamento (definir metas, tomar medidas, considerar o impacto, desenvolver a autoeficácia, as habilidades, os conhecimentos e os recursos da comunidade), é possível facilitar ou dificultar o empoderamento de muitas maneiras. Para fazer o trabalho que facilite o empoderamento, não é necessário englobar todo o processo. Porém, é preciso situar o trabalho dentro desse contexto mais amplo: Como o trabalho pode facilitar tanto a mudança social quanto a psicológica? Como ele se relaciona com os objetivos que são intrinsecamente significativo para clientes ou comunidades? Como isso se relaciona com a história mais ampla da jornada de clientes ou comunidades?

 Embora essa noção ampliada do processo de empoderamento complique a nossa forma de falar sobre o trabalho com as pessoas e comunidades vulneráveis, também tem o potencial para conectar o trabalho bom e eficaz de curto prazo com a mudança profunda e duradoura que vai além do nível de vida das pessoas, afetando as estruturas sociais que as englobam.


Lauren Bennett Cattaneo é professora associada e diretora de treinamento clínico na Universidade George Mason em Fairfax, Virginia. Sua pesquisa foca na teoria de empoderamento, as interações entre as vítimas de violência doméstica e os sistemas projetados para ajudá-las e na capacitação profissional como um mecanismo para a mudança social.

*Laurent Bennett Cattaneo é professora associada e diretora de treinamento clínico na Universidade George Masonl, em Fairfax, Virgínia.

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