AGENDA CULTURAL

5.12.15

Como será o processo de pedido de impeachment - passo a passo

Título original do artigo
Por Fernando Neisser - advogado
Cumprindo suas ameaças nada ocultas, Eduardo Cunha deu início ao processo que pode culminar com o impeachment de Dilma Rousseff. Ainda confuso com o que pode ocorrer, faço aqui um pingue-pongue, onanista de certa forma, meu comigo mesmo.

1. Dilma está cassada? Amanhã assume o Aécio?

Não. Teve início a tramitação do processo. Agora os partidos políticos indicarão membros para que se forme uma comissão na Câmara dos Deputados, proporcional aos tamanhos das bancadas.

A esta comissão caberá ouvir a defesa de Dilma e, após escolher um relator entre os deputados, votar um relatório que aponte se há ou não motivo para admitir o processamento do impeachment. A decisão de Cunha é, portanto, uma prévia da prévia.

Não. Ainda que ao final Dilma seja cassada, Aécio não assumirá. Ao menos, não por esta via.

2. Cunha podia fazer isso? Ele não é mais sujo que pau de galinheiro? (GOMES, Ciro)

Sim e sim. É prerrogativa do Presidente da Câmara – e ele ainda o é – deflagrar o processo. Pouco importa, tecnicamente, se o fez por vingança, desforra, mau-caratismo, senso de justiça ou por ter dormido de calça jeans.

3. Cunha tinha razões jurídicas para fazer isso?

No meu entendimento não. Como já expus em algumas entrevistas, impeachment não é uma medida para solução de crises políticas, nem um mecanismo para trocar governantes incompetentes.

No Parlamentarismo há a moção de desconfiança. Se o governo perde a maioria, vota-se uma moção e, se derrotado for, forma-se novo governo com a maioria formada. Simples assim.

No Presidencialismo é diferente. Aqui fala-se em julgamento, o que implica a necessidade de ter havido um crime de responsabilidade praticado pelo Chefe de Estado.

Com todo o respeito aos que pensam de forma diferente – e sei que os há, em quantidade e qualidade – não vejo que isso tenha ocorrido ou, ao menos, sido demonstrado no pedido de impeachment deflagrado.

Fernando Neisser

4. Mas então você acha que a Dilma é incompetente?

Pessoalmente não a conheço. Mas seu governo, que é a face pública que merece análise, certamente é. Não tenho dúvida que a gestão econômica tem sido conduzida com a habilidade de um elefante equilibrado em quatro gravetos (SCHAPIRO, Mario).

5. Ora, mas então é só uma tecnicalidade. Melhor tirar mesmo, né?

Não assim. Constituição a gente não deve respeitar porque nos convém e violar quando isso é útil a um fim. No Direito, os fins jamais devem justificar os meios, uma vez que isso joga por terra algumas poucas, mas valiosas décadas de aprendizado democrático.

Em nenhuma hipótese deve ser uma alternativa a violação de uma regra desta envergadura – a que disciplina a cassação da mais alta autoridade da República -, para conter ou debelar uma crise política ou mesmo econômica.

6. Ah, mas você diz isso por que é advogado. Se fosse engenheiro ou empresário estaria preocupado com a situação econômica e não falaria tanta besteira.

Pois é, mas sou advogado, estudei Direito e sigo achando, apesar dos pesares, que a Constituição é um bloquinho de folhas cujas regras ali escritas têm uma transcendência essencial para a estabilidade da nação. Maior do que pontes e lojas, ainda que estas sejam tão necessárias.

7. Ah, mas tem um monte de juristas bem mais conhecidos que você defendendo que há crime de responsabilidade!

Pois é. O bom das ciências humanas, mesmo as aplicadas, é a possibilidade de divergência. De um lado da risca há Janaína Paschoal, Miguel Reale Júnior, Ives Gandra e tantos outros luminares.

Eu estou do outro, faz parte. Sei que muito bem acompanhado, mas aqui estaria mesmo se a companhia minguasse.

8. E o que acontecerá com Cunha agora?

Penso eu que será defenestrado. Não tem mais utilidade para o governo, já que abriu a Caixa de Pandora.

Também não serve à oposição. Diria que o odor que exala atrapalha o discurso varonil dos novos paladinos. Sua permanência daria ao governo argumento para questionar cada passo do processo de impeachment.

Acredito que, sendo cassado, a Câmara escolherá um presidente com grande conhecimento do regimento, um passado tão limpo quanto possível e, óbvio, de oposição ao governo. Meu palpite, se precisasse apostar um picolé de limão, seria Miro Teixeira. Quem sabe Espiridião Amim. Como esta votação exige maioria simples, a oposição passearia na escolha e imporia seu nome sem dificuldade.

9. E o que acontecerá com Dilma agora?

Será notificada para apresentar defesa no prazo de 10 sessões ordinárias. A comissão especial votará um relatório que, em seguida, será analisado pelo plenário da Câmara dos Deputados.

A primeira grande batalha será no chão do plenário: Dilma precisa de ao menos 172 deputados ao seu lado para arquivar o processo. Se 342 deputados votarem pela abertura do impeachment, Dilma é afastada da Presidência enquanto seu processo caminha para julgamento no Senado Federal.

Na Casa Alta do Parlamento ocorre o julgamento, após ser dada chance para exercício do direito de defesa e apresentação de provas, em sessão que é conduzida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Também aqui o quórum exigido para cassação é de dois terços. Assim, 54 senadores precisariam votar pela procedência das acusações para extinguir o mandato presidencial.

10. E o Supremo pode ser acionado? Vai ter pizza?

O Supremo pode ser acionado, no Brasil nada pode escapar à possibilidade de apreciação pelo Poder Judiciário. Mas ele não pode entrar no mérito das acusações. Ou seja, não pode o Supremo dizer que não houve crime de responsabilidade.

O papel do STF é, portanto, apenas de zelar para que o processo seja conduzido de acordo com a lei e a Constituição, dando-se pleno direito de defesa à acusada.

Difícil imaginar “pizza” no sentido não-culinário do termo. Não creio que o Supremo venha a determinar o arquivamento do processo, seria uma indevida invasão da esfera de competências do Poder Legislativo. Reabrir prazos, sim; encerrar o debate, não.

11. E por que o título presunçoso do post, esbanjando latim?

Porque poucas vezes a famosa frase me pareceu tão oportuna. Em 10 de janeiro de 49 a.C. César cruzava o rio Rubicão e entrava na Península Itálica pelo Norte. Trazia consigo suas legiões para dentro dos limites que o Senado da República estipulara com a mais grave das proibições.

Ao dizer “alea jacta est”, os dados estão lançados, César afirmava que dali não havia retorno. Ou avançava, vencia a batalha, derrubava a República e tornava-se Imperador; ou seria esmagado, executado e seu nome lançado ao ostracismo.

Sabia que violava as leis e que promovia um golpe.

Mas os golpes têm uma peculiaridade quase mágica. Quando dão certo, costumam ser chamados por outro nome: revolução, legalidade, salvação, redenção...

Ao menos por um tempo, enquanto os novos vencedores se regozijam. E ao menos por alguns, aqueles que se postam do lado de lá da risca.

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