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Por Fernando Neisser - advogado
Cumprindo suas ameaças nada ocultas, Eduardo Cunha deu
início ao processo que pode culminar com o impeachment de Dilma Rousseff. Ainda
confuso com o que pode ocorrer, faço aqui um pingue-pongue, onanista de certa
forma, meu comigo mesmo.
1. Dilma está cassada? Amanhã assume o Aécio?
Não. Teve início a tramitação do processo. Agora os partidos
políticos indicarão membros para que se forme uma comissão na Câmara dos
Deputados, proporcional aos tamanhos das bancadas.
A esta comissão caberá ouvir a defesa de Dilma e, após
escolher um relator entre os deputados, votar um relatório que aponte se há ou
não motivo para admitir o processamento do impeachment. A decisão de Cunha é,
portanto, uma prévia da prévia.
Não. Ainda que ao final Dilma seja cassada, Aécio não
assumirá. Ao menos, não por esta via.
2. Cunha podia fazer isso? Ele não é mais sujo que pau de
galinheiro? (GOMES, Ciro)
Sim e sim. É prerrogativa do Presidente da Câmara – e ele
ainda o é – deflagrar o processo. Pouco importa, tecnicamente, se o fez por
vingança, desforra, mau-caratismo, senso de justiça ou por ter dormido de calça
jeans.
3. Cunha tinha razões jurídicas para fazer isso?
No meu entendimento não. Como já expus em algumas
entrevistas, impeachment não é uma medida para solução de crises políticas, nem
um mecanismo para trocar governantes incompetentes.
No Parlamentarismo há a moção de desconfiança. Se o governo
perde a maioria, vota-se uma moção e, se derrotado for, forma-se novo governo
com a maioria formada. Simples assim.
No Presidencialismo é diferente. Aqui fala-se em julgamento,
o que implica a necessidade de ter havido um crime de responsabilidade
praticado pelo Chefe de Estado.
Com todo o respeito aos que pensam de forma diferente – e
sei que os há, em quantidade e qualidade – não vejo que isso tenha ocorrido ou,
ao menos, sido demonstrado no pedido de impeachment deflagrado.
Fernando Neisser |
4. Mas então você acha que a Dilma é incompetente?
Pessoalmente não a conheço. Mas seu governo, que é a face
pública que merece análise, certamente é. Não tenho dúvida que a gestão
econômica tem sido conduzida com a habilidade de um elefante equilibrado em
quatro gravetos (SCHAPIRO, Mario).
5. Ora, mas então é só uma tecnicalidade. Melhor tirar
mesmo, né?
Não assim. Constituição a gente não deve respeitar porque
nos convém e violar quando isso é útil a um fim. No Direito, os fins jamais
devem justificar os meios, uma vez que isso joga por terra algumas poucas, mas
valiosas décadas de aprendizado democrático.
Em nenhuma hipótese deve ser uma alternativa a violação de
uma regra desta envergadura – a que disciplina a cassação da mais alta
autoridade da República -, para conter ou debelar uma crise política ou mesmo
econômica.
6. Ah, mas você diz isso por que é advogado. Se fosse
engenheiro ou empresário estaria preocupado com a situação econômica e não
falaria tanta besteira.
Pois é, mas sou advogado, estudei Direito e sigo achando,
apesar dos pesares, que a Constituição é um bloquinho de folhas cujas regras
ali escritas têm uma transcendência essencial para a estabilidade da nação.
Maior do que pontes e lojas, ainda que estas sejam tão necessárias.
7. Ah, mas tem um monte de juristas bem mais conhecidos que
você defendendo que há crime de responsabilidade!
Pois é. O bom das ciências humanas, mesmo as aplicadas, é a
possibilidade de divergência. De um lado da risca há Janaína Paschoal, Miguel
Reale Júnior, Ives Gandra e tantos outros luminares.
Eu estou do outro, faz parte. Sei que muito bem acompanhado,
mas aqui estaria mesmo se a companhia minguasse.
8. E o que acontecerá com Cunha agora?
Penso eu que será defenestrado. Não tem mais utilidade para
o governo, já que abriu a Caixa de Pandora.
Também não serve à oposição. Diria que o odor que exala
atrapalha o discurso varonil dos novos paladinos. Sua permanência daria ao
governo argumento para questionar cada passo do processo de impeachment.
Acredito que, sendo cassado, a Câmara escolherá um
presidente com grande conhecimento do regimento, um passado tão limpo quanto
possível e, óbvio, de oposição ao governo. Meu palpite, se precisasse apostar
um picolé de limão, seria Miro Teixeira. Quem sabe Espiridião Amim. Como esta
votação exige maioria simples, a oposição passearia na escolha e imporia seu
nome sem dificuldade.
9. E o que acontecerá com Dilma agora?
Será notificada para apresentar defesa no prazo de 10
sessões ordinárias. A comissão especial votará um relatório que, em seguida,
será analisado pelo plenário da Câmara dos Deputados.
A primeira grande batalha será no chão do plenário: Dilma
precisa de ao menos 172 deputados ao seu lado para arquivar o processo. Se 342
deputados votarem pela abertura do impeachment, Dilma é afastada da Presidência
enquanto seu processo caminha para julgamento no Senado Federal.
Na Casa Alta do Parlamento ocorre o julgamento, após ser
dada chance para exercício do direito de defesa e apresentação de provas, em
sessão que é conduzida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Também aqui o quórum exigido para cassação é de dois terços.
Assim, 54 senadores precisariam votar pela procedência das acusações para
extinguir o mandato presidencial.
10. E o Supremo pode ser acionado? Vai ter pizza?
O Supremo pode ser acionado, no Brasil nada pode escapar à
possibilidade de apreciação pelo Poder Judiciário. Mas ele não pode entrar no
mérito das acusações. Ou seja, não pode o Supremo dizer que não houve crime de
responsabilidade.
O papel do STF é, portanto, apenas de zelar para que o
processo seja conduzido de acordo com a lei e a Constituição, dando-se pleno
direito de defesa à acusada.
Difícil imaginar “pizza” no sentido não-culinário do termo.
Não creio que o Supremo venha a determinar o arquivamento do processo, seria
uma indevida invasão da esfera de competências do Poder Legislativo. Reabrir
prazos, sim; encerrar o debate, não.
11. E por que o título presunçoso do post, esbanjando latim?
Porque poucas vezes a famosa frase me pareceu tão oportuna.
Em 10 de janeiro de 49 a.C. César cruzava o rio Rubicão e entrava na Península
Itálica pelo Norte. Trazia consigo suas legiões para dentro dos limites que o
Senado da República estipulara com a mais grave das proibições.
Ao dizer “alea jacta est”, os dados estão lançados, César
afirmava que dali não havia retorno. Ou avançava, vencia a batalha, derrubava a
República e tornava-se Imperador; ou seria esmagado, executado e seu nome
lançado ao ostracismo.
Sabia que violava as leis e que promovia um golpe.
Mas os golpes têm uma peculiaridade quase mágica. Quando dão
certo, costumam ser chamados por outro nome: revolução, legalidade, salvação, redenção...
Ao menos por um tempo, enquanto os novos vencedores se
regozijam. E ao menos por alguns, aqueles que se postam do lado de lá da risca.
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