AGENDA CULTURAL

1.10.17

Analógicos e digitais

 


Hélio Consolaro*

Na trajetória da vida, percebe-se que pessoas da mesma faixa etária se agregam, dialogam mais. Isso acontece à espera de avião no aeroporto, na rodoviária, numa festa, assim por diante, mas acontece um fato interessante comigo, não estou suportando conversa de velhos, apesar de ser um deles.

Os  idosos queriam um mundo melhor, mas não melhoraram a si mesmos, não moveram um dedo para que as coisas fossem diferentes, agora temos um mundo possível, construído por nossas omissões, aí ficam revoltados, principalmente com os jovens, como se eles não fossem frutos de nossa criação. Repetindo uma frase antológica: "Se os jovens estão vazios é porque não transbordamos".


Os velhotes e as senhorinhas puxam um dedo de prosa comigo e começam a lamentação, eu já respondo que não é bem assim. Então, o pau quebra. Quando percebo que a burrice é imensa, me faço de surdo.


Há quem diga que as pessoas se comportam como vinhos. A bebida envelhece de duas maneiras, pelo menos era assim na produção artesanal. Os bons vinhos ficam melhores conforme envelhecem; os maus, viram vinagre. Se esse paralelo for verdadeiro, há garrafas de vinagre em demasia. 


Noutro dia, na sala de espera de aeroporto, um senhor beirando a minha idade sentou-se ao meu lado e puxou conversa bem analógica:


- A juventude está perdida! Olha só aquele rapaz lá em frente. Ele está lendo um livro enquanto espera o seu horário de partida, uma coisa boa, mas de vez em quando vai para o celular. Não aguenta ficar sem esse maldito celular!


Eu lhe fiz um desafio:


- Por que não vai lá perguntar pra ele o motivo disso?


E ele aceitou. Foi conversar com o rapaz que abriu o celular e ficou lhe mostrando alguma coisa, ou seja, porque apesar de estar lendo um livro de papel, recorria a toda hora ao aparelho digital. E a conversa foi longe, pois o rapaz era bastante paciencioso.


O velho voltou a se sentar ao meu lado. E foi logo dizendo:


- Quebrei a cara! O rapaz está lendo e quando encontra alguma palavra desconhecida, recorre ao aplicativo do dicionário Aurélio, o grandão, que tem instalado no celular.   

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Também lhe disse que tenho o aplicativo de tal dicionário em meu celular e que a edição de papel seria impossível de ser carregada, por isso as mídias se interagem. Ele usava um livro de papel, mas consultava um dicionário de edição digital.  


Há certas pessoas que ficaram para trás, não aprendem a mexer com as novas mídias e têm raiva da juventude que já nasce com um celular na mão.


Deixe pra lá, daqui a pouco estaremos todos mortos. E vai acabar a briga entre analógico e digital.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.

(CRÔNICA SELECIONADA NO XI CLIPP 2017 - PRESIDENTE PRUDENTE-SP)

Um comentário:

Gabriel Araújo dos Santos disse...


Olá, Consa, você ganhou cem por cento nesta dissertação. Foi uma grande coincidência eu ter chegado aqui agora e consultado as páginas do Facebook. Aconteceu agorinha comigo, ali na agência do Banco do Brasil. A segunda ida lá em menos de vinte minutos. Da primeira ida, o caixa não aceitou o depósito destinado a um Escritório de Contabilidade em outra cidade, que a conta nem a agencia existiam. Retornei, consultei a mensagem do Escritório, e vi que eu omitira um - e um x logo no final dos números. No meu retorno, que foi rápido, fui atendido por outro funcionário, e deu tudo certo. Então indaguei se todas as agências e contas são portadoras daquele traço e do x, e diz que sim. Puxa, falei para aquele que me antendera antes, você não podia ter tentado colocar o tal tracinho e o x? Ele, cara amarrada, respondeu: "Mas às vezes pode ser também um zero". E olha que ele não está tão velho assim.Já imaginou quando chegar aos 85, como eu?