AGENDA CULTURAL

19.8.18

Expulsando as mulheres da política

Em um artigo para a Ilustríssima (Folha de São Paulo) de domingo passado, a cientista política, Marina Merlo, lembra um fato simbólico da (não) presença das mulheres no Congresso Nacional: até 2016 só havia banheiros masculinos no plenário do Senado; as senadoras tinham que utilizar o banheiro do restaurante anexo.

Marina Merlo

O Brasil ocupa o 152o lugar na proporção de mulheres eleitas em uma lista de 192 países feita pela União Interparlamentar. Mesmo tendo eleito em 2010 nossa primeira presidente mulher, pouco evoluímos na representação parlamentar, instância fundamental do sistema democrático do país.
Burlar as regras que desde 1995 buscam romper a barreira de gênero na política parece ser a especialidade dos partidos, como demonstra Merlo em seu artigo. Resta saber como contornarão as recentes decisões do STF e do TSE exigindo que, além de apresentar no mínimo 30% de candidaturas femininas, as legendas destinem a elas 30% dos recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral, e distribuam proporcionalmente o tempo de rádio e TV.
Um avanço para a renovação da política, embora insuficiente diante da multiplicidade de subterfúgios utilizados pelos partidos para manutenção do status quo. Um dos truques mais comuns, como lembra a cientista política, é o da apresentação de candidatas apadrinhadas pelas dinastias familiares – sem que os partidos invistam em novas – e autônomas – candidaturas femininas.
Outra questão mencionada por Merlo adiciona desconfiança a uma prática que já levanta dúvidas nessa eleição: a de incluir vices mulheres em boa parte das chapas majoritárias. Além de acenar para as eleitoras – que tem suas peculiaridades como demonstram as dificuldades de Ciro Gomes e Jair Bolsonaro com o voto feminino – os partidos poderiam destinar a maior parte dos recursos obrigatoriamente reservados para as candidatas a vice, ou seja, para a chapa majoritária.
Já é uma grande perda a não-participação de mulheres com discursos fortes como Sonia Guajajara (Psol), Manuela d’Avila (PCdoB/PT), Katia Abreu (PDT) e Ana Amélia (PP/PSDB) nos debates eleitorais – reservados aos cabeça de chapa. Seria muito triste que suas candidaturas fossem também usadas como repositório de truques para burlar mais essa ação afirmativa sem a qual a nossa democracia é ainda mais frágil, e de fachada.

​Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

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