AGENDA CULTURAL

9.6.20

Trocar de máscara na pandemia


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Quando baixa em mim um momento depressivo, que são raros, logo recupero o alto astral quando começo a valorizar os confortos que tenho em Araçatuba-SP.

Tenho a minha casa, uma humilde residência, com água encanada e esgoto e sei que quase toda a população também possui esse conforto, não se trata de um privilégio. O lixeiro passa quatro vezes por semana, inclusive recolhendo os dejetos recicláveis. Dispenso qualquer fiapo de ideia de correr atrás da cidadania italiana.


Quando vejo em reportagens que mostram as péssimas condições em que moram meus compatriotas brasileiros de algumas regiões, com falta de tudo, inclusive de comida, precisando da caridade pública, acho que ser brasileiro é uma grande responsabilidade.


Até neste ponto do texto, caro leitor, você conheceu o Consa conformista, pai de família, avô de seis netos, burguês. Mas há certas coisas, certos comportamentos que me azedam, como diz o 
padre Júlio Lancelotti que cuida da pastoral de rua na cidade de São Paulo: "Mundo excludente exige dose de rebeldia."  

Em algumas capitais brasileiras, os hotéis que estão abandonados às moscas por causa da pandemia, receberam espontaneamente moradores de rua para as suas dependências. Lógico que ninguém cedeu a suíte presidencial, mas os quartos mais modestos.


Na cidade de São Paulo, a prefeitura abriu editais para que hotéis se inscrevessem para receber moradores de rua, que iam receber por isso, mas nenhum estabelecimento se inscreveu. De fato há um temor, pois a solidariedade não é marketing diante dos burgueses. Quem vai querer se hospedar num hotel em que dormiu moradores de rua? 


Na segunda chamada do edital, alguns donos de espeluncas compareceram. Aí a prefeitura pôs entraves burocráticos. Onde se viu pardieiro regulamentado.


Não estou dizendo que dentre tais moradores de ruas só há gente boa, que basta ser pobre para ser bom, mas aprendi que a gente deve fazer o bem, sem ver a quem, sem fazer julgamento. Morador de rua não é santo, bicho imundo, mas merece ajuda só por ser humano.



Como São Paulo tem cerca de 24 mil pessoas em situação de rua, o padre Lancelotti não dá conta de tudo, então os mendigos ficam em casa mesmo, ou seja, na rua, contaminando o restante da população. Socorrê-los é também uma forma dos burgueses se preocuparem consigo mesmo. Ficar em casa, para os deserdados de teto, não é uma atitude política correta.

A rebeldia para quem está no fundo do poço é o último respiro de dignidade. Como meu poder é pouco, a minha rebeldia se expressa em palavras. Não olhamos os pobres como uma oportunidade de praticar a solidariedade, mas para dizer: "felizmente, tenho sorte, não caí na mendicância, Deus me protegeu".

A pandemia serviu, serve e vai servir para derrubar as máscaras da nossa hipocrisia, grudadas em nosso rosto, se colocarmos  as máscaras de proteção. Está na hora de trocar de máscara



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