AGENDA CULTURAL

6.9.20

Naming rights, o cacete. Itaquerão... Antônio Reis


Itaquerão
No dia 1.º de setembro de 2020, foi o aniversário de 110 anos do Sport Clube Corinthians Paulista, uma história de glórias e sofrimentos, e bota sofrimentos nisso. Como presente, ganhou a parceria da Neo Química, que administrará a arena de Itaquera por 20 anos, período em que destinará aos cofres do clube e, em especial, aos bolsos dos credores a bagatela de R$
300 milhões. Presente de grego ou não, o primeiro sacramento chegou ao corintianismo com o pomposo nome de naming rights [direitos de nome].

Desde que o italiano Miguel Bataglia, um dos fundadores, profetizou “O Corinthians será o time do povo”, o Alvinegro cresceu e se tornou uma
nação com bandeira, hino e exército. Faltava um território. O solo pátrio, denominado Parque São Jorge, o santo guerreiro que não é santo, ficara pequeno a ponto de explodir diante de tantas glórias e de inundar frente a tantas lágrimas. A diáspora do corintianismo levou o clube a se sagrar campeão em terras alheias, como Morumbi, Pacaembu e Yokohama.

Como nas Escrituras, a fé levou a Fiel a atravessar o deserto em busca da terra prometida, Itaquera (pedra adormecida, em tupi-guarani), na zona leste da capital paulista, bairro das classes C e D, cujos moradores não se envergonham de ser periferia. Faltava grana, mas, como nem tudo nessa vida é infortúnio, o Corinthians era amigo do rei, ou melhor, do presidente.

Lula e Andrés Sanchez, nuns arranjos mal arranjados, mas numa troca de passes perfeita, como Sócrates-Palhinha, levantaram a arena que permaneceu pagã por seis anos.

No jogo de estreia no imenso território, em 2014, derrota por 1 a 0 para o modestíssimo Figueirense, do desconhecido Giovanni Augusto, que entrou para a história como o autor do primeiro gol na arena corintiana e que posteriormente seria contratado pelo Alvinegro. 

Na partida de estreia da Neo Química Arena, em 2020, o vexame foi menor: 2 a 2 com o Botafogo-RJ, numa marra desgraçada e que coloca o técnico Tiago Nunes na corda-bamba, ou melhor, na marca do pênalti.

Coisas do futebol atual. No tempo em que jogador usava bigode, que os escanteios eram cobrados pelos laterais (de fora para dentro), que os times tinham pontas fixos, que a camisa dos goleiros era preta, que os treinadores eram chamados técnicos, os cabelos eram black power e as mulheres dos boleiros eram mais discretas, o nome do estádio era de menor importância.

Depois que jogador passou a ter o corpo todo tatuado, os escanteios passaram a ser cobrados aleatoriamente pelos de menor estatura, ninguém mais é ponta só meia, que camisa de goleiro mais parece um painel publicitário, os técnicos se tornaram professor, os cabelos passaram a ser moicano e o boleiro negão só namora modelo loira, a coisa mudou. Agora
é naming rights.

Fora das quatro linhas, também houve mudanças profundas. Nas transmissões pela televisão já não se vê geraldinhos e arquibaldos. As galerias são lotadas por torcedores que se miram nos 11 que dentro de campo seguem as estratégias elaboradas por softwares importados.

Predomina a elite que, como a elite nacional, tem ojeriza e vergonha de suas raízes; daí o nome Neo Química Arena. Naming rights, o cacete. É
Itaquerão e não tem conversa, afinal o Corinthians é o time do povo.


 Antônio Reis é jornalista e ativista do Grupo Experimental da AAL.





Ouça  a marchinha "Meu coração é corintiano", clicando aqui.

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