AGENDA CULTURAL

9.11.21

Marighela no shopping - Antônio Reis

Marighela: realidade e ficção 
Depois de muito tempo, mas muito tempo mesmo, decidi ir ao cinema no primeiro domingo de novembro. Fui assistir Marighella, o comentado filme de Wagner Moura. No trajeto fui recordando do entretenimento que já foi o meu preferido. Quando os cinemas de rua entraram em decadência até desaparecerem, para mim a sétima arte perdeu o encanto. “O cinema em casa” não tem a mesma magia.

Enquanto o carro engolia ruas e avenidas, como num filme, veio-me à mente as sessões do popularzão Cine Paraíso, do sofisticado Cine Pedutti, dos insossos Bandeirante e São Francisco, e do mais charmoso de todos os cinemas de Araçatuba, o São João. Lembrei-me dos filmes de Mazzaropi, que levavam fãs a formarem filas de quarteirões horas antes da sessão, sob sol escaldante em pleno dia de semana. Os filmes do Jeca lotavam os cinemas em todas as sessões, em todos os dias, por vários dias, inclusive aos domingos, quando eram exibidos em quatro horários no Cine Paraíso.

Lembrei-me de ter visto no Cine Bandeirante o refinado “Eles não usam black-tie”, uma peça de teatro escrita e estrelada pelo fabuloso Gianfrancesco Guarnieri, adaptada para o cinema. “Retratos da Vida”, obra-prima de Claude Lelouch, marcou o cine Pedutti para mim. As sessões universitárias tentaram um experimento na cidade, mas não duraram muito. Quando viajava, procurava pelos cinemas locais.

O cinema em casa obrigou as salas de exibição a investirem mais em filmes de baixa qualidade, mas com forte apelo popular. Os cineclubes passaram a ser resistência. O de Araçatuba funcionava no teatro municipal e proporcionava ao pequeno público que o frequentava aquilo que os cinemas tradicionais não mais mostravam. Ainda tenho na memória cenas de “Dama de Xangai” (Orson Welles), “Coração de Cristal” e “Enigma de Kaspar Hauser” (ambos de Herzog).

Eis que o carro encosta. Pago o motorista contratado por aplicativo. Dirijo-me apressadamente para a fila do ingresso. Sinto uma sensação estranha. Pela primeira vez, e com muitos cabelos brancos, entro num cinema de shopping.

(*) Antôno Reis é jornalista e ativista
do Grupo Experimental.

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