AGENDA CULTURAL

10.11.21

Aula de memória -por Carlos Botazzo

Hoje, 4 de novembro, como manda o figurino, desci do metrô e meti-me em passos ligeiros pela Alameda Casa Branca, ladeira abaixo. Anda que anda, na última esquina já a placa indicativa da rua aparecia trocada. Um bom sinal, pensei. Um primeiro click. Logo ali adiante já os sons das vozes amplificadas eram notados e mais um pouco os discursos se distinguiam. Pequeno grupo – 50? 60? – jovens e velhos, cabelos de todas as cores e formatos misturando-se às cãs, maiores ou menores. Ou simplesmente nada além da calva. Geração 68. Vejo uns rostos conhecidos, as máscaras pandêmicas em público ora nos ajudam a evitar o olhar ou, mesmo com elas, distinguir um velho amigo. Mais alguns clicks. Noto a Pedra instalada no passeio. Ela ali está faz um bom tempo e outro dia amanheceu toda vermelha. Linda e transversa homenagem, no vermelho, dos que buscavam aviltar o pedaço de memória que ela contém. A inconfundível voz abaritonada do mestre de cerimônias fez o comunicado: estamos encerrando este ato pontualmente as 11h00, tal como previsto! Mais alguns reconhecidos e discretamente me afasto do grupo. Ao cruzar a rua vejo os policiais e algumas viaturas e penso o que eles poderiam pensar daquilo tudo, e justo quando em uníssono ali gritavam-se foras, abaixos e outros apupos ao Nefasto.  O ato se encerrava. Decido alcançar a esquina mais próxima e tomo o passeio do outro lado. Então, vejo parado na calçada e completamente só um soldado PM. Rápido intuí e desejei e, tão rápido quanto, fiz. Me acerquei do praça, disse bom dia e perguntei: 

- Desculpe incomodar, mas o senhor poderia me dizer o que essas pessoas ali estão fazendo?

- Estão fazendo uma homenagem ao Marighella. Quase não saiu o nome, mas aí foi propositivo: -- Foi morto neste lugar.

- Morto?

- Sim, ele era um deputado, Deputado Carlos Marighella. O nome e o cargo saíram com voz completa. Eu, que perguntei achando que ouviria destampatórios infames, arregalei os olhos. 

- Foi isso, ele foi um deputado, ele fundou um partido, fez um montão de coisas, foi até guerrilheiro, fez de tudo. E foi morto ali.

- Caramba, que história sensacional!

- É, o senhor pode saber mais, foi um grande sujeito, é só pesquisar na internet.

Me senti calmo e molinho por dentro. Agradeci e nos demos um toque com os nós dos dedos, as mãos fechadas. Me afastei rápido na direção da Lorena, não quis que ele percebesse a lágrima que se formava nos meus olhos. O ato acabara.

Carlos Botazzo, professor da USP, formado pela Unesp de Araçatuba-SP   

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