AGENDA CULTURAL

21.11.06

Afoitos pelo livro

Hélio Consolaro

Vi numa tira de Quino, cartunista argentino, que Mafalda, garotinha personagem, encontra o coleguinha Manolito. Então, este lhe pergunta:

- Que vais dar a tua mãe no Dia das Mães, Mafalda?

- Um livro, responde a menina.

- Ora, deixa de lorotas. Pensas que eu não sei que ela já tem um?

Há gente como Manolito. Pensa que basta ter apenas um livro, como se fosse um eletrodoméstico. Quem tem a Bíblia, por exemplo, compra outros livros para ajudar na sua interpretação.

Faço deste relato uma introdução para dizer que li na edição do dia 11 desta Folha, com surpresa e alegria, que assentamentos de terra em Andradina terão bibliotecas, por iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Só não gostei de que tenha sido por iniciativa governamental, porque leitura entre nós é coisa de escola e de governo, não pertence à iniciativa privada e nem a ONGs. Bom seria se tivesse sido iniciativa do próprio MST, por exemplo.

Seria melhor se houvesse notícia de que a empresa tal montou uma biblioteca para seus funcionários com programa de estímulo à leitura, porque só oferecer livros não é suficiente.

Que tal as igrejas, os sindicatos, os centros comunitários terem suas bibliotecas e seus programas de leitura. Livro não é coisa só de escola, ler também é lazer, uma forma de fortalecer a fé. Passatempo não é só ficar vendo tevê.

Não elejo o livro como única fonte do saber, nem sou adepto dos versos de Castro Alves: “Oh! Bendito o que semeia/ Livros... Livros à mão cheia.../ E manda o povo pensar!/
O livro caindo n'alma/ É germe - que faz a palma, / É chuva - que faz o mar”; mas considero que a leitura constrói rapidamente a cidadania, deixa a pessoa mais crítica.

Ninguém manda o povo pensar, ele precisa pensar por si mesmo, como protagonista de sua própria história. Aliás, o saber advém também da arte, da filosofia, da tradição. Há muitos doutores soberbos e arrogantes, e analfabetos que são verdadeiros sábios.

Os afoitos pelo livro defenderam a idéia de pôr um livro em cada cesta básica, como se bastasse isso para estimular a leitura. Correríamos o risco de ter casebres com prateleiras de livros bem guardados, mas nunca lidos, porque só a pessoa de pouca leitura endeusa tanto o livro.

A escola dá o empurrão para que a pessoa se torne uma leitora, que não se restringe mais a alfabetizar as crianças, mas leiturizá-las. Alfabetizar é muito pouco.

A sociedade precisa cumprir a sua parte, porque filhos de pais que não lêem nada, nem jornal, têm mais dificuldades de se tornarem leitores.

Que nossos jovens sejam mais Mafaldas que Manolitos.

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