AGENDA CULTURAL

22.11.06

Na clausura, seqüestrado

Hélio Consolaro

Com esse croniqueiro, caro leitor, acontece tudo. Às vezes, saio disfarçando, para que ninguém veja o mico que paguei, mas nem sempre sou bem-sucedido. Acontece o flagrante.

Como escreveu Fernando Pessoa em seu Poema em Linha Reta: “Toda a gente que eu conheço e que fala comigo/ Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,/ Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

E o próprio poeta português concluiu: Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, / Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Assim acontece com o Consa.

Então, caro leitor, na quinta-feira, ia começar exercer meu magistério naquela noite, corrigia provas na sala dos professores do Colégio Salesiano, quando deu um rodamoinho às 18h30 que quase me matou de susto, batendo a porta da sala dos professores, parecia o estrondo de uma bomba no Iraque.

Amarelo, fui tentar reabri-la. E nada. Travada. E este croniqueiro sozinho lá dentro. Dizem que é melhor sozinho do que mal acompanhado, ainda mais se a companhia fosse homem. Numa casa religiosa, não podia ter maus pensamentos... Fui para a autoflagelação: corrigir provas.

Sem ninguém para, pelo menos, tentar abri-la pelo lado de fora. Como não sou um claustrofóbico, continuei o meu trabalho. Afinal, eu estava mesmo precisando de uma clausura, um retiro.

Devo confessar-lhe, caro leitor, aqui entre nós, que havia acabado de fazer um pedido a São Judas Tadeu, o santo das causas perdidas, porque precisava de tempo para terminar de corrigir aquele pacote de provas. E não é que deu certo! Que santo porreta! Fiquei trancado por uma hora, adiantando a obrigação. E dei conta!

Chegaram professores, coordenador e funcionários. E a porta fechada. Tenta daqui, tenta dali, me passaram uma chave de fenda pelo vitrô, mas nada, a porta era antiga, com dobradiças fortes. E a minha classe sem aula, porque o professor ficou preso. E os alunos vibravam. E eu corrigindo prova.

Eu pedia que chamasse o chaveiro, mas o brasileiro acha que vai dar um jeitinho. Deu nada! Até que me ouviram. O chaveiro chegou e resolveu o problema num zás-trás. E o Consa foi libertado de um seqüestro relâmpago e involuntário, de sua clausura, depois de uma hora e meia. Nada de trauma. Tudo muito prazeroso e com muito humor. Depois do acontecido, veio a gozação.

E você, caro leitor, também é um desastrado? Um “gauche” na vida, como se achava Carlos Drummond de Andrade no Poema de Sete Faces? Ou é daqueles seres perfeitos, com você nada dá errado?

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