AGENDA CULTURAL

26.5.07

Nas profundezas do rio


Hélio Consolaro

Não quero, caro leitor, estragar o seu domingo com reflexões mais sérias, daquelas que você deixa o jornal sobre as pernas e fixa o infinito, fazendo as mesmas perguntas: quem sou, de onde vim e para onde vou. Ou, então, sair meio apavorado, querendo fugir do abismo em que se meteu com a leitura de meu texto. E balbuciar:

- Esse Consa está querendo estragar o meu domingo!

Há momentos em que o cronista escarafuncha aquilo que está escondido nas dobras do cérebro, tenta remexer lá, mergulhar na parte mais funda do rio, para entender a si mesmo e a espécie a que pertence. E pior: quer levar o leitor a fazer o mesmo.

Nesta semana, tive experiências novas, apesar de beirar os 60 anos. Não foram agradáveis, mas serviram para eu me entender, compreender e perdoar ainda mais meus semelhantes. Não sei se foi vantajoso tê-las, mas, com certeza, cheguei mais perto de Deus.

Se alguém lhe disse nalgum dia que a vida é fácil, não acredite muito. À medida que se vai vivendo, vamos descobrindo que ela é cheia de armadilhas, percalços, um tombo aqui, outro acolá, e precisa muita habilidade para se levantar e não endoidecer.

Não estou falando de falta de dinheiro, porque feliz é aquele que só corre atrás do vil metal, pois fica cego para outras coisas, só vê na frente a meta, vive nas margens, fica com os pés apenas no raso do rio, então, nem há tempo para “pensar em besteiras”. Tem o dinheiro, mas lhe falta o sublime que não está à venda. O tempo voa, às vezes, morre sem saber que viveu. O dinheiro lhe é um entretenimento.

No outro lado da mesma corda, existem aqueles que lutam hoje para pagar o que comeram ontem. Essa busca meio-bicho pela sobrevivência provoca a mesma cegueira, não conseguem ver nada de sublime na luta renhida. A promessa do céu basta.

Aqueles que buscam o sublime, não estão contaminados pela cegueira, querem fazer da vida uma aventura, por isso sofrem. Não estou falando apenas da incompreensão dos outros pela opção de vida adotada, mas das contradições que habitam o seu próprio interior. Os opostos entram em choque tão violento que suportar o conflito torna-se quase impossível. E é por isso que, às vezes, encontramos corpos estatelados no chão. A pessoa não suportou a vida.

Assim, caro leitor, não quero que perca a alegria de seu domingo, mas que veja o outro com mais caridade, que não ande com o dedo em riste, acusando os demais, como se fosse dono da verdade.

As verdadezinhas nossas não moram de um lado só. A verdade maior é um mistério, cuja luz nos enlouquece de tão forte quando chegamos perto dela.

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo texto. Parabéns.Gosto desse seu tom reflexivo, você fica mais humano. É o verdadeiro Hélio.
Beijo no seu coração.