AGENDA CULTURAL

22.1.08

Muros altos, muros baixos

Hélio Consolaro

O menino vivia só. Procurava amigos na vizinhança, mas os pais lhe fizeram muros altos, com portão eletrônico. Todos carregavam o controle, tinham a liberdade de ir-e-vir. O menino não.

No outro lado, morava outro menino. Mais miúdo, mas novo. Apesar da diferença de idade, até brincaram juntos. Os pais tentaram fazer amizade, mas as cabeças eram diferentes.

Moradores da casa de muros baixos plantaram árvores em sua calçada por várias vezes. Alguém ia lá jogava veneno. Gastou-se fortuna em mudas de árvores, nenhuma vingava. Até que a família da casa de muros baixos desconfiou que os assassinos moravam na casa de muros altos. Foi o canecão d´água que faltava para esfriarem ainda mais as relações. E o menino dos muros altos com saudades do menino dos muros baixos.

Engraçado que ladrões entravam na casa de muros altos, nem incomodavam os moradores da casa de muros baixos. Outro fato interessante é que intramuros altos, havia sempre brigas, gritarias e xingamentos. Tudo à flor da pele. Até o cachorro era irrequieto.

Num certo dia, houve barulhos indefiníveis no telhado da casa de muros baixos. Era uma pancada forte, arrastando alguma coisa. Os moradores olhavam daqui, dali, até que descobriram que havia uma linha, como se alguém estivesse soltando pipa, e ela vinha da casa de muros altos.

Até que no próximo lançamento, descobriram que havia amarrado na ponta um brinquedo, aqueles carros pequenos, mas pesados, de coleção. Era o menino da casa de muros altos querendo brincar com o companheiro da casa de muros baixos. Nem que fosse on-line.

O pai do menino da casa de muros baixos, que ainda não havia conseguido derrubar o muro totalmente, não entendeu bem o menino da casa de muros altos. Cortou a linha e ficou com o brinquedo. Que venha buscar!

E assim foi. Andou quebrando algumas telhas. Se não tinha com quem brincar, pelo menos dava os brinquedos para quem tinha amigos, freqüentava escolinha, curtia a vida desde pequeno.

Os moradores da casa de muros baixos não denunciavam o menino porque não queria ser a causa de espancamentos e sofrimentos.

Depois de semana, houve um barulhão no quintal da casa de muros baixos. Todos correram para ver que havia acontecido. Era um boneco de plástico duro, grande, amarrado numa linha. Era demais!

Novamente a linha foi cortada, e o menino da casa de muros altos ficou sem o brinquedo. E o impasse permaneceu. O dono da casa dos muros baixos não conseguia derrubar o restante do muro, que fora construído de pedras sobre pedras.

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