AGENDA CULTURAL

10.2.08

Amor de avô


Hélio Consolaro

A mãe lhe disse uma coisa horrível:

- A pessoa nasce, cresce, envelhece e morre.

Resumiu a vida num rabisco. Não sei que pensou aquela criaturinha de quase quatro anos com a lição de finitude dada sem rodeios. O garoto ficou desesperado, irrequieto. Com certeza, não fez a pergunta como o poeta Gregório de Matos: se morre, por que nasce?

A preocupação dele era com a avó, a quem se apegara, mais que à mãe, que trabalhava fora. Sua vovó querida havia ido ao médico, fez muitos exames. Voltou e foi, foi e voltou. E o médico recomendou aquele que é feito por cateter. Muito assustada, disse em voz alta:

- Dessa vez, não escapo. Vou morrer!

O menino ouviu o queixume da avó. Se as pessoas nascem, crescem, envelhecem e morrem, então a vovó ia mesmo morrer. Ela só falava a verdade.

- Quero minha vó! – gritava o garoto enquanto dormia ao lado do avô à noite, que levava chutes involuntários do neto.

Tal era a admiração, se perguntasse ao neto o que gostaria de ser quando crescesse, diria:

- Quero ser avó!

As avós são mães com coberturas de chocolate.

O avô, cônscio de sua finitude próxima, admirava e velava o sono do neto. Aquela criaturinha que diziam se parecer com ele. E pensava: vou morrer, mas permanecerei nele, anônima e biologicamente, mas nele. Se pudesse, teria sido primeiro avô, depois, pai. Ser avô é não ter responsabilidades administrativas sobre o neto.

Como este croniqueiro gosta de ver o lado obscuro das coisas, estraga, às vezes, a poesia, por isso relembrou o que leu nalgum lugar: esse é o amor instintivo, amamos maternal ou paternalmente enquanto estamos no outro. O avô não amava o neto, mas se amava, aquela parte que estava no menino. Quando pensou nessa explicação, ficou vermelho diante de seu egoísmo, mas não há como escapar disso. Lembrou-se: amar os outros como a si mesmo.

Se somos aquilo que os outros querem, assim o outro vai se incorporando a nós psiquicamente, concluiu que até o corpo de cada um tem algo de tanta gente, talvez nos parecemos com uma pessoa lá de trás de nossa árvore genealógica, que viveu há mais de séculos. Como não temos fotos, as semelhanças passam despercebidas.

Assim, avô e neto conviviam, brigavam, se chutavam. O menino pensava que o pipi era só para mijar, o velho tinha certeza. Era voltar a ser criança com a perspectiva de já ter vivido muito tempo.

O velho de 90 anos, narrador do livro “ Memória de Minhas Putas Tristes” – de Gabriel García Márquez, não era avô e se apaixonou por Delgadinha, menina de 15 anos. Não conseguia fazer sexo com ela. Precisou ficar impotente para amar verdadeiramente uma mulher, era amor de avô de primeiro neto.

Um comentário:

Blog da Joana Paro disse...

Belíssima e sensível percepção da realidade, Hélio, e também achei bastante poética apesar da dureza consigo mesmo. Meus aplausos e meu beijo.