Hélio Cosolaro
Às vezes, a realidade borda suas mensagens e não sabemos lê-la. Se quiser o mesmo recado de outra forma, caro leitor, Deus escreve o caminho, mas somos analfabetos.
Passarinho preso, na minha casa, nunca deu certo. A Japa tentou, os filhos tentaram, mas sempre surge alguma coisa: morrem, desaparecem. Na verdade, uma vez, apenas uma vez, soltei um periquito preso na gaiola. O povinho aqui de casa ficou pê comigo.
Dona Augusta, minha mãe, sempre nos ensinou que passarinhos são bonitos na árvore, cantando. E quem já esteve preso algum dia, como este croniqueiro, não tolera a falta de liberdade nem para os outros. Assim, sempre me causou dó animais presos, até em zoológico.
Como a casa não é só minha, não posso sobrepor minha vontade à dos outros habitantes. O Consinha queria um passarinho, assim providenciaram o seu querer. Não movi um dedo a favor, mas nem resmunguei. Neto quer, avô aceita.
Gaiola nova adquirida pela mãe Menininha. Meus primos Margarida e Paulo trouxeram um canário do reino. Quando a Menininha adentrou a casa, triunfante com o passarinho na gaiola, ela se soltou e Menininha ficou apenas com o gancho na mão. Passarinho morreu no tombo. Consinha chorou, queria outro passarinho. Penso que fora o seu primeiro contato com a morte.
Os primos Margarida e Paulo se condoeram com a situação. Como têm criação de passarinhos, providenciaram outro canarinho. A avó comprou um CD com cantoria de canário do reino:
- Ele vai aprender a cantar!
E este croniqueiro já estava quase a cantar no lugar do passarinho de tanto ouvir os trinados no aparelho de som.
Assim, o passarinho vivia sozinho na gaiola, sem companheiro ou companheira. Apenas ouvia um companheiro invisível cantando. Pulava de cá, pulava de lá. Aquela vidinha de prisioneiro de pular entre três pauzinhos. Também não sei se ele conhecia a liberdade, mas, com certeza, seus ancestrais gritavam por vida livre em seus genes. Assim, aquela gaiola fazia parte da área de serviço. Água e comidinha comprada não faltavam àquela criatura.
Enquanto na quinta-feira ele pulava na gaiola, na sexta, Nice, a empregada, gritou:
- O passarinho morreu!
Os adultos da casa, quando souberam, ficaram no “Que pena!”. E foram trabalhar. A mesma expressão usada quando morre uma pessoa. Consinha chorou ao acordar, mas só havia a Nice para lhe dar consolo. Como sexta-feira é dia de levar um brinquedo à escolinha, Consinha pôs o passarinho morto na bolsa. Talvez, chamar quem tivesse tempo para dar à ave um enterro digno.
Lembrei-me de um verso de João Paulo Paes: "A poesia está morta, mas juro que não fui eu"
Nenhum comentário:
Postar um comentário