Valorizar o matagal

Hélio Consolaro

O leitor sabe que este croniqueiro gosta de caminhar pela cidade. Fico estressado quando minhas obrigações me impedem disso.

Ficar girando pela av. Pompeu de Toledo faz amizades, mas correr cantos obscuros proporciona ao caminhante descobertas saborosas. É uma forma de descobrir Araçatuba em seu centenário.

Outro dia, percorri toda a av. Waldemar Alves. No seu final, ela tem asfaltada uma das pistas, que vai até a rodovia Elyeser Montenegro Magalhães. Asfalto novinho. Quem disse que Malulão não faz nada? Bem que podia ser uma avenida completa, linda, mas era o dinheiro que tinha.

Naquele ermo, sozinho, ouvi um grito feminino:

- Consa, onde fica o boteco Bate Forte?

Essa pergunta cruza meu caminho amiúde. E quando respondo que é ficção, as pessoas se frustram.

- Eu queria ir lá, conhecer as personagens. Entrar na sua cabeça é impossível.

Mas caminhando, vi o matagal que toma conta viçosamente dos terrenos baldios, das calçadas abandonadas, porque aquela região não é tão habitada. Por lá se vêem novas empresas de Araçatuba; como prédios das antigas, abandonados

Não, caro leitor, o matagal não invadiu a área, ele está ocupando o lugar que lhe é devido. Ele faz parte de nossa flora ou são sementes levadas pelo vento, trazidas pelos passarinhos. Quem invade é o asfalto, o quintal cimentado, os ladrilhos. O mato e o matagal moram aqui bem antes de mim, de você, de todos nós. São como os índios.

Seu Luiz, meu pai, varre o quintal de sua casa várias vezes por dia, não suporta ver folhas pelo chão. Não sabe o mal que faz às plantas.

As pessoas ficam bravas, xingam o prefeito, dizem que a

prefeitura não cuida da cidade por causa do mato, quando, na verdade, é o mato que toma o seu lugar, roubado pela cidade. Ele é vida, mas ele é roçado, não queremos folhas caídas, derrubamos árvores em nome de uma pseudolimpeza.

Mato é área verde. No matagal, há florezinhas lindas, silvestres, campestres, singelas, não são flores importadas e nem transgênicas ou incubadas em Holambra.

Na escola, nos velhos tempos, este croniqueiro aprendeu o conceito de animais nocivos, depois ouvia a expressão “ervas daninhas”. Que classificação preconceituosa aos olhos de hoje, quando temos mais conhecimento sobre ecologia, cadeia alimentar.

Não há ninguém nocivo, muito menos daninho. Tudo que nasceu faz parte de um todo e tem a sua função. No Éden, nem a cobra era nociva.

Matagal é como os pobres, nascem aos tufos na periferia. Os bacanas não gostam deles, mas não vive sem.