AGENDA CULTURAL

17.8.08

Fim de um macho


Hélio Consolaro

No dia 23 de julho, li reportagem de Monique Bueno, nesta Folha, em que o aposentado Ricardo Minini, de 68 anos (foto), dormia há cinco anos dentro de um fusca. O gênero masculino é um sujeito meio perdido no tiroteio das emoções.

Só, carente, abandonado, vivendo quase da caridade pública. Como bom brasileiro, Seu Ricardo comprou um fusca, ano 81, e um aparelho de som em suaves prestações mensais. Fez dele domicílio ambulante.

A legenda da foto da reportagem dizia: “Todos os pertences do idoso estão dentro do fusca, seu único bem”. Desprezou o seu bem, se mandou. E assim, vive estacionado à beira da vida, perto da ponte do rio Tietê, na rodovia Elyeser Montenegro de Magalhães, comendo e banhando-se no restaurante.

Em 1982, quando tinha 42 anos, uma família, deu a crise dos 40, abandonou tudo, foi para Mato Grosso. Atendeu aos impulsos masculinos, não quis viver contido, fez da vida uma explosão de emoções e danou-se.

Burguesmente, danou-se, de acordo com a moral e os bons costumes é um devasso, mas tudo que aconteceu a Seu Ricardo pode fazer parte de um processo de amadurecimento. Nem todas as pessoas aprendem do mesmo jeito, muitas precisam dar cabeçadas, mas nem todos compreendem o erro assim, nem a escola.

Os donos do restaurante mostraram que a humanidade não está perdida! Sem pedir atestado de antecedentes criminais, Aloísio e Jurandir Pereira de Assis proporcionaram alimentação e a higiene pessoal do Seu Ricardo, só porque nele havia vida. Só isso basta para praticar a solidariedade.

Parece que a reportagem desta Folha foi motivo de regozijo para sua ex-família. Se algum filho disse “bem feito, aprendeu papudo”, não sei, mas o universo tratou de lhe dar a lição. Às vezes, o destino, nos seus enrodilhados, apronta conosco.

Seu Ricardo esperava um quartinho para morar, que o filho iria arrumar. Providência divina, providência do perdão. Talvez, como o ancião, narrador do livro Memórias de Minhas Putas Tristes - Gabriel Garcia Márquez, que descobriu o amor aos 90 anos, depois de ficar sexualmente impotente.

2 comentários:

HAMILTON BRITO... disse...

Sexualmente impotente...ninguém fica. Pavlov contou a experiência com o pato para a sua teoria do reflexo condicionado: aprendeu a sair por um lado só, quando foi aberto o outro...morreu preso.PS.nao faça ilacões indevidas, po, isto mau interpretado, pode comprometer-me.

Anônimo disse...

Talvez ele seja mais feliz assim do que outros que vivem prisioneiros das convenções, pagando o preço de sua covardia, ou seja,infelizes com suas amarras, vivendo pela metade e assim também fazendo outros. Vemos isso acontecer muito próximo de nós mesmos...
Ao senhor, o meu respeito e consideração e a democracia de meu comentário.