AGENDA CULTURAL

21.9.08

Morreu um xavequeiro


Hélio Consolaro

Lourenço Diaféria foi o cronista que mais li. Comecei a lê-lo em Rosana-SP, década de 70, quando a Folha de São Paulo tinha apenas dois assinantes na cidade: este croniqueiro e Tito Damazo. E o jornal chegava com um dia de atraso. Se não existe nada mais antigo do que um jornal de ontem, lá havia o serviço de alto-falante São Francisco, falando de Rosana para o mundo.
A notícia vinha rápido pela Rádio Bandeirantes; a filosofia, pela voz bonita de Hélio Ribeiro e o Palmeiras ganhava no entusiasmo da narração de Fiori Gigliotti, mas a interpretação dos fatos era datilografada pelo articulista Alberto Dines e pela cronista Lourenço Diaféria. Aliás, os cronistas por excelência têm vida fugaz. Rubem Braga ainda teima em sobreviver após a morte. Tentam ressuscitar João do Rio. Quem se lembra de Humberto de Campos? Deixando o interior e viajando à capital. Diaféria não era um cronista palatável pela classe média festiva daquela época. Não tinha o lirismo descomprometido de Rubem Braga, tanto é que, por causa de seu texto “Herói. Morto. Nós”, foi preso em 1977. A crônica abordava o heroísmo do sargento Sílvio Hollenbach, que pulou num poço de ariranhas no zoológico de Brasília, para salvar um menino. A criança se salvou, mas o militar morreu. Diaféria escreveu: " o sargento [...]está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos". Ele também citou Duque de Caxias, o patrono do Exército, lembrando o estado de abandono de sua estátua no centro da capital de São Paulo. Durante alguns dias, a Folha de S. Paulo deixou o espaço destinado ao colunista em branco, em repúdio à sua prisão. Conta a lenda que Lourenço Diaféria esteve em Araçatuba, visitou o extinto Jornal A Comarca, em meia hora escreveu uma crônica, direto na máquina de escrever, para espanto de alguns que demoravam meio dia para fazer um editorial. Derrubando o mito de que um texto bom nunca é feito às carreiras. Escrevo tudo isso porque o cronista Lourenço Diaféria morreu na terça-feira, 16, aos 75 anos, em São Paulo, em decorrência de problemas cardíacos. Paulistano, iniciou a carreira jornalística na Folha de S.Paulo, em 1956, e começou a escrever crônicas em 1964. Ali ficou até 1977. Passou também por Jornal da Tarde, Diário Popular, Diário do Grande ABC, rádios Excelsior, Gazeta, Record e Bandeirantes, além da TV Globo. Publicou as seguintes obras: Um gato na terra do tamborim (1976), Coração corintiano, O imitador de gatos e outras crônicas (2000), O vôo do índio sem asas (2001), Brás – sotaques e desmemórias (2002) e O empinador de estrela (2003). Neste momento, deve estar enchendo os ouvidos de São Pedro de xavecos, porque todo cronista não passa de um excelente xavequeiro.

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