AGENDA CULTURAL

16.3.09

A sorte do mendigo


Hélio Consolaro

O mendigo andava pela rua e incomodava todo mundo. Não pedia esmolas nem puxava conversa com ninguém, mas incomodava. Bebia água da poça e comia alimento do lixo, animalizava-se. O incômodo era gerado por ser diferente, por parecer um homem das cavernas. Negava nossa civilização.
A senhora que tinha fé, acreditava na frase “quem empresta aos pobres, agrada a Deus” corria atrás dele, oferecendo marmita de comida gostosa, limpa e quentinha, mas ele preferia o lixo.
Que sina carregava aquele homem alto, barbudo, musculoso, tomado por barba e farrapos. Fora traído pela mulher amada? Paixão não correspondida? Havia jogado pedra na cruz ou queria uma para carregá-la? Seria praga de mãe? De que se condenava?
Já conversei com moradores de rua. Às vezes, para impressionar, contam histórias mirabolantes: já fui isso, já fui aquilo, tenho diploma universitário. E com isso vão ganhando seus trocados.
Cético, este croniqueiro ouve tais histórias e não questiona. Afinal, não consigo me provar a mim mesmo, como duvidar dos outros... Ficamos velhos e alteramos as histórias, elas são contadas conforme a faixa etária em que estamos. Pintamos cada vez mais o passado com tintas do presente. A mentira quase sempre é o ponto de vista do outro.
Cada pessoa tem sua história. Sua vida é formatada desde o útero. Logo que Menininha, minha filha, nascera, deitada ao lado da mãe, logo no pós-parto, segurei-lhe um dos dedos da mão por duas ou três vezes. Não foi um gesto repetido muitas vezes. E ela, hoje, já casada, tem o costume de segurar o dedo de alguém para dormir.
Dizem que os filhos (homens), bem amados por sua respectiva mãe desde pequenino, têm sorte com as mulheres, são amados por elas, sem ser um galã, artista de televisão.
Os primogênitos são de um jeito, os caçulas, de outro. Dizem que ser filho único é uma lástima. As marcas de nossa existência persistem. Vamos nos construindo no decorrer da trajetória.
Um indivíduo, por mais bronco que pareça ser, transmite uma mensagem com suas atitudes, com suas posturas. Faz as outras refletirem. No mínimo, a pessoa mostra aos outros o seu jeito de ser. O livro “O Corpo Fala - A Linguagem Silenciosa da Comunicação Não-verbal”, de Pierre Weil e Roland Tompakow nos ensina isso. Que mensagem está nos mandando o mendigo esquisito?
Os loucos não me assustam se são felizes. Nem o mendigo me deixa constrangido, com dó dele, pode ser uma fase da vida, um período de cura ou purgação. Crise existencial. Quem sabe podemos encontrá-lo nalgum dia de terno e gravata, totalmente inserido no sistema...
Deixemos o mendigo à sua própria sorte. Ele vai encontrar (ou já encontrou) a saída.

2 comentários:

Patrícia Bracale disse...

O que incomoda é a imagem nossa que refletimos...
Realmente, tudo se somatiza no corpo, mas muito nós projetamos no próximo.
Qual sua imagem???

HAMILTON BRITO... disse...

UM CARA QUE ANDA BARBUDO, COMENDO DO LIXO, BEBENDO DA FONTE INSALUBRE NAO PRECISA TER, NECESSARIAMETEM, SIDO TRAIDO POR UMA MULHER. OUTRAS CAUSAS PODEM SER CONSIDERADAS. PODERIA SER CORINTHIANO ? PODERIA SER UM PALMEIRENSE QUERENDO, NO TAPETÃO ,SOMAR TITULOS NO BRASILEIRÃO PRA SUPERAR O SAMPA ? PODERIA TER A MAE NO ZBM E DESGOSTO DE SER IRMAO DAQUELE ?SINA? QUE SINA, QUE NADA. COISA MAIS OBSCURANTISTA. obs. ESTA AI, LA PRO EXPERIMENTAL, NAO VALE...FOI MUITO ALEM DO TEMA. DIGO PQ EU QUERO A PASSAGEM PRA LONDRES. hein! uAI, NÃO ÉO PRÊMIO?