AGENDA CULTURAL

20.11.11

A estátua tombou

Crônica escrita em fevereiro de 2010
Célio Novaes da Silva - jovem violinista



Célio Novaes da Silva   

Hélio Consolaro*


Nunca soube que tivesse viajado. Sabia francês sem ter conhecido Paris. Suas raízes estavam fincadas em Araçatuba. Seu lazer noturno era a praça Rui Barbosa. Na minha adolescência, encontrei o Célio fazendo footing, casei-me, tive filhos e neto, e o amigo continuava nos bancos da mesma praça.


Morou por muito tempo na esquina das ruas Tabajara e Silva Jardim, local que se transformou em ponto comercial. Assim, ele foi empurrado para a periferia, na rua Luís Vignoli, no Jardim Casa Nova. Era o lugar que lhe coube na cidade.


Não sei se o mundo não mudava para ele. Talvez assumira exageradamente a sua negritude, ensimesmou-se, nunca soube que tivesse uma namorada de andar de mãos dadas, mas curtia suas musas, aquelas inatingíveis. Era um romântico.


A música moldou o seu corpo, por isso o seu pescoço tinha uma leve inclinação para a esquerda de tanto apoiar o violino. O seu palco não vivia cercado de fãs descabeladas, mas de gente que entendia de música. Era um astro tribal.


Fiz-lhe uma crônica há algum tempo. Toda vez que encontrávamos, ele me lembrava dela. Achou muito engraçado por eu tê-lo chamado de “estátua viva da Praça Rui Barbosa”.


Seu pai, o maestro Pedro Novaes, regera a Banda Municipal de Araçatuba e foi homenageado com nome de rua. Apesar de sua alma de artista, herdada, viveu de sua timidez. Fazia convidados de uma cerimônia nupcial se emocionar com os gemidos de seu violino. O seu instrumento musical era uma ferramenta, ele, apenas um trabalhador.


Ao chegar à Secretaria da Cultura, encontrei o Célio como maestro da Orquestra de Cordas, que reunia músicos experientes e jovens egressos do Projeto Guri. O violino ensurdecera por causa de seu estado debilitado. Então, como João Carlos Martins, passou à regência.


Pensei: “Agora vou ajudar meu amigo”, mas nem tudo acontece como se quer. No poder público, a burocracia é trabalhosa e exigente. Projeto, CNPJ, diretoria da orquestra e ainda, para complicar mais, alguns desentendimentos entre seus componentes. Assim, eu não soube ser seu amigo, e ele não quis aproveitar a oportunidade de ter um amigo secretário. Construímos um monólogo.


A estátua tombou em pleno carnaval. Mais uma estrela no céu. Que tal reerguê-la na mesma praça, como músico de Araçatuba, mas também como o araçatubense que mais horas viveu em seus bancos.


Discurso de inauguração de estátua


Já escrevi que o Célio Novaes da Silva era a estátua viva da praça Rui Barbosa. Ele ria muito disso, porque, embora fosse carrancudo, só ria em roda de amigos, tinha o senso de humor. Confesso que, quando escrevi isso, tive medo de deixá-lo zangado.

Depois, com sua morte, retomei o assunto, dizendo que a estátua da praça Rui Barbosa caiu. Não foi nenhuma ação de vândalos. Parece que o Criador o quis perto de si, para que os anjos ficassem mais sublimes ao som de seu violino.

Também prometi que Célio Novaes da Silva voltaria à praça sob a forma de estátua, sem o sopro da vida. Afinal, um violinista, aluno de José Raab, não poderia ficar sem uma homenagem.  

O Osni Branco e o próprio Paulo Martins autor da obra me aconselharam não deixar o Célio Novaes da Silva na praça Rui Barbosa, sentado, sozinho, como vinha fazendo ultimamente em sua vida, porque os tempos são outros. Estátua não corre, não reage e acabaria ficando sem violino.   

Não sei se Paulo Martins conseguiu reconstruir o Célio n a sua obra, igualzinho. O escultor faz do barro a imitação, mas não consegue assoprar-lhe vida, como fez Deus com Adão e Eva. Nós, amigos de Célio, queríamos que a estátua a ser posta na entrada do teatro Castro Alves, andasse, saísse do banco, tocasse uma música bem harmoniosa com seu violino.

Célio, trazê-lo de volta é impossível, mas esta estátua neste lugar, sempre freqüentado por artistas, é um privilégio. Quem sabe traremos alguém brevemente para lhe fazer companhia.

Os irmãos negros se orgulham de você. Os brancos sempre o admiraram, porque a sua música elevava os espíritos, devolvia-nos a dignidade.    


*Hélio Consolaro é secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

11 comentários:

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

Eu morava ali pertinho dele, na rua Afonso Pena, entre gal.glicério e Bandeirantes; me lembro dele, sempre foi retraido, não era de muito papo. A última vez que o vi foi naquele evento do COB, no colegio das irmãs.É uma pena. Só foi feliz com o violino, acho.
Postei a sua crônica no blog do grupo experimental, espero não se zangue.

Anônimo disse...

Que pena, Hélio!

Ficamos com a imagem dele abrilhantando nosso evento do COB-Unesp. (A seu convite).
Parabéns pela crônica.
Ele merece mesmo uma estátua.

Abraço,

Wanilda Borghi.

Anônimo disse...

Em nome da Supervisora do COB - Centro de Oncologia Bucal - Unesp, Profa. Dra. Maria Lucia Marçal Mazza Sundefeld, registramos as condolências pelo passamento do Maestro Célio Novaes, que a tantos sensibilizou regendo a Orquestra de Cordas de Araçatuba, na noite de enceramento do 2º Manifesto Universitário pela “Semana de Combate ao Câncer de Cabeça e Pescoço” – (23 a 27/11/2009).

Wanilda Borghi

Júnior Viana disse...

“A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim. Tudo é igual, mas estou triste porque não tenho você perto de mim.”
Parece até proposital, mas essa foi a primeira música que, pelas mãos do professor Célio, aprendi a tocar no violão. Eu tinha 10 anos de idade, e a cena de vê-lo sentado na praça, próximo ao carrinho de pipoca que servia de suporte para seu capacete de cor ferrugem, parecia complementar as primeiras aulas que tive no antigo Intec.
As músicas mudaram, outras aprendi, porém meu primeiro, e único professor, continuava ali... na mesma praça, no mesmo banco... Hoje, também cheio de costumes, o professor sou eu, fruto de uma semente plantada há 19 anos por Célio Novaes. Porém, ele não está mais ali, nem naquela praça, nem naquele banco.
A idéia de imortalizá-lo como Drummond nos bancos de Copacabana seria fantástica, afinal, sua figura faz parte daquele cenário. Já sua música, essa se perpetuará naturalmente através das mãos de alunos, dos alunos, dos alunos, dos alunos seus.
(Júnior Viana)

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

Tá ai uma bela ideia...meus parabéns. Mestre Consa, se somente os músicos da cidade se congregarem, farão movimento que poderá arrecadar o suficiente para 10 estátuas, iguais aquela do Drumond, na calçada de Copacabana...gostei e ele mereçe. Esse tar de Viana matiu a pau.

Rita Lavoyer disse...

Caro professor Hélio Consolaro. Não conheci este, já imortal, Célio Novaes, mas pude conhecer um pouco dele através deste texto, que tão claramente nos apresenta a pessoa e o profissional que ele foi. Quanto ao Projeto Guri, tenho que agradecer e parabenizar a todos que por ali passaram como mestre e aos que hoje se encontram no ofício para acolher os promissores que estão chegando. Ali, pelo segundo ano, o meu filho foi buscar "algo mais" que o preenchesse e encontrou. Continua encontrando, agora com o retorno às atividades. Parabéns a esta Secretaria de Cultura e a todos do Projeto Guri que dão o melhor do seu trabalho para garantirem os ' talentos do futuro'. Muitos se vão, outros vêm. Mas ninguém tira deles o lugar conquistado com competente trabalho.
Parabéns pelo texto e pela oportunidade que me deu de conhecer o artista Célio,e comentar sobre o Projeto Guri que tão bem vem fazendo ao meu filho. Muito obrigada a todos que passaram e aos que continuam trabalhando neste projeto.

Hélio Consolaro disse...

conselio@gmail.com

Mario Greggio disse...

O Célio sempre transbordou o lugar que ocupava no mundo. Aprendeu vioino com o sábio e gênio José Raab, de quem foi sucessor como professor no Consevatorio Santa Cecilia. Isto no tempo que o Sta Cecilia era propriedade do maestro Raab. Depois o Prof Celio viveu dando aulas de violino. Com quem tive a honra de iniciar meus estudos musicais. Isso lá na década de 1960. Faz tempo. Celio veio a São Paulo e impressionou o maestro Leon Kanievsky com suas habilidades, tocando o célebre Capricho 13 de Paganini. Quis saber de onde viera. "De Araçatuba" rspondeu. "E onde fica esta cidade". O genial Celio resumiu: "Bem depois de Lins".
Tocou com Leon Kanievsky quando este ensaiava ali no Colegio Alvarez de Azevedo, Largo São Francisco em SP.
Ele nunca me explicou porque voltara para Açatuba. Mas semnpre resumia enigmático: "tenho amigos aqui". E ponto. Nada mais.
Mais tarde, após o primeiro AVC, foi agandonando o violino e tornou-se um exepcional pintor. Tenho a honra de ter muitos quadros dele. Queria pagar os quadros. O bom Célio não aceitou. Então dei a ele um arco Villaume, cabeça de cisne que eu comprara do Maestro A. Jaffé decênios atrás. Como ficou contente o velho mestre. Parecia criança no Natal.
Amigão do peito, era meu fiel companheiro nas serenatas. Ah... bons tempos aquele que faziamos serenatas nas noites quentes de verão. Foi assim que conquistei minha namorada Tania, hoje minha mulher. Tudo graças ao Célio. Eh... eh... eh... Claro que fizemos outras serenatas para todos os motivos.
Agora o grande Célio se encontra lá no Céu, tocando seu violino e sendo dirigido pelo Maestro Raab.

Guto Antunes disse...

Toquei muitos anos com o Célio, desde a camerata do Dr.Normanha a última orquestra de câmara montada por Célio em Araçatuba,e por varias vezes pude estar conversando com ele na praça...Foi um amigo e companheiro de trabalho nos ensaios e eventos. Grande Violinista, grande amigo.

Josy Zago disse...

eu adorava ver ele e o Bruno tocando.Eles ensinaram minhas filhas tocar violino.Fiquei muito orgulhosa quando convidaram elas para tocar na homenagem para Celio Novaes!

Anônimo disse...

Bom dia, me chamo Sidnei Gomes, Sobrinho de Célio Novaes, estou muito Emocionado nesse Momento São 07:12 da manhã de Segunda-feira, dia 26 de Fevereiro de 2024, O Meu muito Obrigado a todos, Amigos,Alunos, e as pessoas que conviveram com ele, Obrigado.