AGENDA CULTURAL

26.6.10

Órfão aos 60 anos

Sentados: Luís Consolaro e Augusto Fortin Consolaro 
De pé, da esquerda para a direita: Gervásio, Hélio, Luís Augusto e Alberto


Hélio Consolaro*

Perdi meu pai. Não o perdi, eu sou ele, um pouco dele. Ele está também nos meus irmãos: Gervásio, Alberto e Luís Augusto. O Seu Luís Consolaro está aqui entre nós, ele pensava que ia, nós pensamos que vamos, mas ele continua no universo, um grãozinho de areia, mas parte.
Seu Luís Consolaro não partiu, ele foi devolvido de onde veio, voltou a ser barro. Derrubei algumas lágrimas, porque todo parto é doloroso. Meus irmãos também não choraram muito. Dona Augusta teve um choro discreto de viúva. Meu pai realizou o seu sonho.
Não podíamos chorar muito, não tínhamos motivo. Viveu 82 anos, acima da média dos brasileiros, que são 76 anos. Pôde não ter feito tudo o que quis, mas essa frustração não é só dele.
Todos nós cumprimos o acordo feito tacitamente. Ele, sem poder, fazendo esforço sobre-humano, estudou os quatro filhos, todos homens, sarados. Depois de formados, nunca deixamos que pai e mãe sofressem algum tipo de privação. Fomos muito mais previdência que o INSS.
Não havia remorsos a serem chorados, não existia consciência pesada com o dedo em riste. Talvez tenha faltado mais carinho tátil entre nós, mas, com certeza, fora expresso por outras linguagens. Este croniqueiro não acredita no ideal, mas naquilo que foi realizado.
Se ele não podia fazer nada por nós, estava fora de seu alcance, se trancava em seu quarto e diante de seu altar fazia fortes orações. Não podíamos ter pai melhor. As broncas, as surras nos tempos de quatro moleques dentro de uma casa de três cômodos foram tão amorosas...
Não se sentou nos bancos escolares, mas dotou seus quatro filhos de diploma universitário, sendo dois ph.D. Não tinha propriedades e deixou vasta herança, aquela que levamos para o túmulo. Não era um monge tibetano, mas deu bons ensinamentos pela coerência de vida. Como um profeta, apontou caminhos. E sendo também general, não permitia que ninguém se desviasse, pegava a ovelha desgarrada pelas orelhas.
Não procurou ser o telhado, contentou-se ser um tijolo, viveu uma vida simples, sem sair na coluna social e nem nas páginas policiais, mas deixou seu legado para que o mundo fosse um pouquinho melhor: educou bem seus filhos.
Obrigado, pai! Você é herói de quatro cavaleiros andantes que se orgulham de ser seu filho no caminho da vida. Palavras piegas, mas é o que tenho a dizer. Sou um órfão aos 60 anos.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.

7 comentários:

Flores da Vergonha disse...

Hélio, meus pêsames por este momento único, a perda de um pai,pior seria não tê-lo perdido nunca porque nunca o teve. A morte é a diferença de estar aqui e não estar mais.Viver por um sonho é saciar a sede no rio da vida para morrer no oceano. Demais, o tempo é uma mentira.

alaorpoeta

Marisa Mattos disse...

Acho que seiagora no seu blog o motivo da sua ausencia no meu aniversário.Peço desculpas pelo meu inconsciente egoismo..é que humanos que somos achamos sempre que somos os mais "coitadinhos" da face da terrra,né?Perdão...Mas seguindo o pensamento da sua postagem também não vou dizer "meus pêsames" pois só um bravo ultrapassa as barreiras de expectativa de vida nesse nosso mundão de meu Deus...Parabéns aos nossos pais que nos projetaram e tiveram tempo de acompanhar e vislumbrar a obra....

Grupo Experimental disse...

Eu já acho que ele foi telhado; um grande telhado que abrigou sonhos que foram se realizando na medida em que via a sua família protegida e evoluindo. Agora, que descanse.

Alberto Consolaro disse...

Meu caro Irmão Primogênto: suas palavras traduzem plenamente os meus sentimentos. Nosso pai é motivo de orgulho, exemplo de vida e coerência em seus princípios intuitivamente adquiridos ao longo da vida sofrida, dolorida, porém bem vivida. Tenho orgulho de ser filho de Luiz e Augusta e irmão de Hélio, Gervásio e Luis Augusto. Para matar a saudade ouço a música História de um Prego ultimamente cantada por Chitãozinho e Xororó e troco a última palavra boiadeiro por carpinteiro que deixo como sugestão.

Akasha De Lioncourt disse...

Caro Hélio, conheço-o há muito tempo por conta do site Por Trás das Letras, pois muitas vezes recorri aos seus ensinamentos para sanar dúvidas. Sou grata por isso. Hoje, vim conhecer seu blog e me deparei com essa linda homenagem que fez ao seu pai. Realmente, você não o perdeu: ele continuará sempre presente enquanto for lembrado por suas lutas, seus feitos e, principalmente, pelo amor que lhe é dirigido por parte daqueles a quem ele certamente é especial. Receba, ainda que tardiamente, meu abraço e o desejo de que, após a fase "vazia" da sensação de perda, o amor filial renove-se na certeza de que nada é para sempre, nem mesmo a ilusória separação da morte e o reencontro é inevitável em algum outro recanto criado por Deus. Paz e Luz. Akasha De Lioncourt

Joyce Correia disse...

Caro Consa, que perfeição seu texto desta quinta!!!
Realmente primoroso!!! Depois de tanto tempo, mesmo sem te mandar qualquer sinal de vida, continuo lendo seus textos, mas o de hoje, em particular, me emocionou. Hoje, pela manhã, Ademar (Correia, o prof. de Educação Física), sem qualquer palavra, colocando seu texto sobre minha mesa de estudos, deu um toquinho no meu ombro e saiu da mesma forma que entrou...silenciosamente. Guardei o jornal para lê-lo no caminho para o fórum...ele não me perguntou nada...parece que viu meu avô na grata leitura e talvez pretendesse que eu tivesse a mesma lembrança, quem sabe, dele, quando a ordem divina assim determinar.
Assim como vc, nutro um respeito e admiração incondicionais pelos meus pais, em especial, pelo Ademar. Por várias vezes, vejo em mim muitas coisas dele, como o amor pelos meus sobrinhos (por consequência, netos dele), a reflexão detida diante de certas situações, sua precaução e sua desconfiança. Em outras passagens, sou o extremo oposto dele: sua paciência, sua obstinação e sua polidez "financeira" (pensa, o que, Ademar é munheca!..rs). No entanto, entre tantos pontos e contrapontos, não há como deixar de amá-lo e respeitá-lo por sua trajetória de vida e por tudo que construiu. Sinto-me frustrada por não ter alcançado (ainda) o meu objetivo profissional, mas tenho certeza de que ele se orgulha pessoalmente da filha que tem. Afinal, assim como vc, sou quase um rascunho dele e os rascunhos visam a tornar melhor a obra final.
Que você passe sua vida a limpo e descubra o quanto do seu pai há em você.
Abraços afetuosos e cheios de respeito,
Joyce

Patrícia Bracale disse...

Olha, é um privilégio ser orfão aos 60, gostaria muito mesmo que meus filhos tivessem avôs e avós.
Saudades do corpo, vontade de saber mais da alma, mas a certeza que unidos em espírito.
O amor nos leva.