AGENDA CULTURAL

6.2.11

Comentários sobre o livro "A fuga do soldado da borracha"

Ganhei de presente "A fuga do soldado da borracha" do coautor e companheiro de secretariado, Marcelo Teixeira. Uma obra interessante, principalmente para quem gosta de conhecer a realidade brasileira em seus aspectos sociológicos e históricos.
Como estou sem tempo, para não protelar ainda mais a divulgação de tão bela obra, resolvi reproduzir comentários de outros leitores. A minha leitura ocorreu há um ano e já não tenho na memória todos os detalhes.
Dentre os autores, conheço apenas o Marcelo Teixeira, então, cumprimento-o pela iniciativa (o livro foi lançado em 27/11/2006, 
Livraria da Vila, Vila Madalena, São Paulo). Parabéns!

  

Na obra, os autores contam a história de José Miguel Correia, nordestino de Palmeiras dos Índios (AL), que dedicou-se voluntariamente a colaborar com o governo federal em troca de um sonho comum: ganhar dinheiro. Não ganhou e quase morreu.
O martírio foi vivido por mais de 55 mil nordestinos, durante um capítulo triste e quase esquecido da história brasileira. Eles começaram a trabalhar nos seringais amazonenses em 1942 para aumentar a produção de borracha, que estava ameaçada durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos morreram na selva, doentes, de fome, assassinados por índios ou por companheiros de acampamento. Outros, abandonados, foram obrigados a viver, envelhecer e morrer no meio da Amazônia – nunca voltaram a ver suas famílias no Nordeste.
O personagem central de “A Fuga do Soldado da Borracha” foi um dos poucos voluntários daquela época que conseguiram voltar para casa por conta própria. A pé, José Miguel Correia percorreu parte da Amazônia e do Nordeste para sair do pesadelo. Caminhando disciplinadamente por cerca de quatro mil quilômetros, levou um ano para rever os pais e quase chegou à loucura durante o percurso.
Foram mais de dois anos entrevistando, pesquisando e escrevendo a história de José Miguel Correia. Fernanda Franco comenta que não existe a intenção de transformar o livro em documento de referência histórica. “Ficaremos satisfeitos se a obra gerar interesse pela Batalha da Borracha e por esse episódio tão pouco repercutido”. Para Marcelo Teixeira, o livro é acima de tudo, a luta particular de um homem pela vida. “Ele tem alma corajosa e faz questão de contar, a quem quiser ouvir, sua incrível história”.
Os autores
Fernanda Franco é jornalista, sócia-fundadora da Com Texto Comunicação, agência de comunicação corporativa com escritórios em São Paulo, capital e interior do Estado. Trabalhou como repórter de O Estado de S. Paulo, O Globo e da revista Veja. Foi correspondente da sucursal de Ribeirão Preto da Folha de S. Paulo e também produtora da EPTV Central, em São Carlos-SP, empresa filiada à Rede Globo.

Marcelo Teixeira é jornalista, responsável por projetos e novos negócios da Com Texto Comunicação. Trabalhou como repórter de afiliadas da Rede Globo por mais de sete anos no interior de São Paulo e Paraná, além de agências de notícias na região. Atualmente é secretário da Comunicação Social da Prefeitura de Araçatuba, a convite do prefeito Cido Sério.

O LivroA Fuga do Soldado da Borracha
Páginas: 104 páginas com fotos e ilustrações
Edição: Com Texto Comunicação
Valor: R$ 34,00
Apresentação
(faz parte do livro)

Quando tomei conhecimento da história do soldado da borracha, por meio do Zenaldo Correia, amigo de longa data, incentivei, como me foi possível, a confecção deste livro-documentário. Trabalho que, desde já, considero extremamente importante para o resgate desse obscuro episódio da história brasileira.

Apresentei, ato contínuo, a idéia para os jornalistas Amadeo Naddeo e Fernanda Franco. Eles abrançaram prontamente o desafio. Marcelo Teixeira é o terceiro jornalista a se envolver no projeto, substitui com muita competência o insubstituível Amadeo Naddeo, que desde 2002, infelizmente, não mais convive conosco.

Jogar luz sobre a impressionante saga dos “Soldados da Borracha”, com base em um único depoimento de sobrevivente que partiu de Alagoas, guerreiro, em busca de algo maior que o pequeno roçado da família, é a grande sacada dos jornalistas.

Quando eu vim da minha terra, passei na enchente nadando, passei fome, passei frio, passei dez dias chorando, por saber que a vida pra sempre estaria passando. Nos passos deste calvário,tinha ninguém me ajudando, tava como um passsarinho perdido fora do bando... » Paulo Vanzolini - Música “Capoeira do Arnaldo” 

O livro é escrito, percebe-se já no inicio, por experientes jornalistas. «Este livro não reivindica o status de documento de referência histórica, até porque nem tem elementos para isso”.

É daqueles que se lê de um só arranque, de chofre, tanto o assunto instiga e revolta. O trabalho fundamenta-se na humildade e simplicidade do depoimento de um ex-arigó, José Miguel Corrêa. pai do meu amigo Zenaldo. Zê Miguel conta os fatos, os autores organizam os contos. O resultado é bom de ler. “Cai no chão e saí rolando. Segurava pra não cortá a língua. Atacô pra matá memo. Primeiro veio o frio, depois uma febre de 40 graus que dura aí umas duas hora. Daí passa”.

O coletor de látex na floresta amazônica, popularmente conhecido como arigó, é uma ave/homem que vagueia na busca da comida/borracha, para dela retirar seu parco quinhão para entregar a maior parte para sua eterna Águia/coronel, desta vez personificada por estratosféricos presidentes, o brasileiro e o es— tadunidense. “Arigó é rim pássaro amazônico que vagueia de lagoa em lagoa na busca da comida”, a analogia é uma pérola.

Onde arregimentar tamanho contingente de pessoas, em condições de desempenhar o papel de homens arigós. senão no palco da fome, o Nordesrc brasileiro assolado pela seca. O futuro soldado da borracha é vítima de propaganda enganosa, das promessas que não serão cumpridas. O arigó é enganado, esquecido, abandonado e mesmo assim colhe o imprescindível látex.

Quanto mais penso, menos consigo imaginar, na prática, o tamanho da empreitada dos arigós. Leio e fico atônito. Sei agora que, em média, existia, na floresta amazônica, duas seringueiras nativas a cada cinco mil metros quadrados. Duas únicas Hevea brasiliensis, a cada quarteirão, porém não desses quarteirões que conhecemos. Dois quarteirões de mata densa, fechada, sem luz, com doença, com onças, índios. Só voando mesmo, só se for arigó.

Tamanho episódio da história social e política brasileira não pode estar relegado ao esquecimento, há que se escrever e escrever respeito. Há que se contar o acontecido nas escolas deste país. Aí a grande importância deste livro, justamente aí, informando o que não foi informado.

É imprescindível que a criança brasileira seja informada sobre seus verdadeiros heróis, tenha bases sólidas para sua formacão. O livro “A fuga do soldado da borracha” retrata com a simplicidade do Zé Miguel e a objetividade da luta pela sobrevivência, toda a batalha que trava o nordestino para cumprir sua sina. Certamente se constituirá em subsídio importante para a compreensão da verdadeira história brasileira.

Os autores sao taxativos “Não houve consideração pelo esforço desses soldados que sustentaram durante quatro anos a parceria entre os governos brasileiro e norte- americano para evitar a derrocada dos aliados na segunda grande guerra. Nem os livros de história lembram desse capítulo.”

Quando eu vim da minha terra, num sabia o que é sobrosso, sabença de burro velho, coragem de tigre moço, oração de fechar corpo pendurada no pescoço, rifle do papo amarelo, peixeira cabo de osso, medalha de padre Ciço e rosário de caroço, que eu saí da minha terra, sem cisma susto ou sobrosso. Capoeira do Arnaldo

Os jornalistas detalham, como informassem, com base no singular depoimento, a geografia do sofrimento dos arigós. O livro, além de esclarecer pontos obscuros de parte da história brasileira, permite aos leitores ponderações importantes, como entender porque os norte-americanos estimularam a extração do látex e atravessaram nossas vendas de borracha.

Surgem inúmeras perguntas sem resposas. Sabemos da importância da lei da oferta e procura na economia capitalista. Em uma época em que não havia disponibilidade de borracha – não havia, portanto, oferta – quanto os norte-americanos ganharam revendendo nossa borracha? Qual a verdadeira importância das 50 mil toneladas se borracha injetadas pelos brasileiros no estoque dos aliados, numa época em que não havia oferta? O que significou para o Brasil 200 milhões de dólares em armamentos.

Qual parte da matéria escolar ensinava ou ensina sobre o soldado da borracha? Depois de tanto tempo longe da escola, é normal que esqueçamos pedaços da nossa história. Aqui e acolá, detalhes normalmente nos fogem da memória. Jamais me esqueceria, entretanto, da história do “Soldado da borracha”, isso me fosse dado ouvi-la, se me fosse dado aprendê-la, se me fosse dado julgá-la. Lamentavelmente, enquanto estudante, jamais ouvi falar do “Soldado da Borracha”. Por quê?

Lembro-me, com detalhes, o que me foi ensinado, ainda no primeiro grau sobre a campanha brasileira na guerra do Paraguai, por exemplo. Jamais me esqueceria de Dona Odete, minha professora de História, ainda na minha cidade natal, Santa Rosa de Viterbo – SP. Ela vibrava ao dizer: “Almirante Tamandaré, alvas barbas a esvoaçar sob a ação do vento, no convés, ereto, mira altnaeiro o...”

Com a mesma competência e eloquência, agradeceria muito se ela me tivesse ensinado: “O soldado da borracha constitui-se entre 1942 e 1944, numa leva de nordestinos obrigados a se deslocar para a região amazônica, com o fim único de alavancar a vitória dos aliados (norte-americanos) na segunda guerra mundial”.

Cinquenta e cinco mil brasileiros foram abandonados à própria sorte, poucos conseguiram retornar aos seus lares, muitos foram mortos pelo inóspito da mata fechada, outros por lá ficaram. O soldado da borracha não foi importante, somente pela extração do látex numa época em que tanto se precisava dele. Eles ajudaram muito na fixação do que hoje é o contorno da geografia brasileira.”

Causa espanto o descaso do governo brasileiro no tratamento com o futuros arigós. Já na pré-seleção são classificados, segundo o livro, tal qual se classificam animais: “normolíneo, tipo normal mixótipo tipo quase normal tronco longo e pouco volumoso; brevilíneo, tipo com ausência de pelos e ventre avantajado e o disgenopata, tipo com joelhos arcados e inferioridade psíquica”. O abandono já estava programado?

Heróis devidamente inconscientizados são esquecidos dentro de uma mata que, pra confirmar toda sua condição de prisioneiro, não permite vislumbrar o horizonte.

A saga do Zé é a saga do arigó, do Zé Arigó, do Zé Miguel, do Raimundo, do Zé Raimundo. Pode ser o sofrimento de um Zé e tantos outros brasileiros crentes, crédulos, honestos, exploradoss, escravizados e que, no entanto, destemidos, cumpriram com seu destino.

Eu saí de minha trra, por ter sina viajeira, com dois meses de viagens leu vivi uma vida inteira. Saí bravo, cheguei manso, macho da mesma maneira. Estrada foi boa mestra, me deu lição verdadeira, coragem num tá no grito e nem riqueza na algibeira, os pecados de domingo quem paga é a segunda-feira. - Capoeira do Arnaldo

Os pecados do governo, quem paga é o povo, principalmente a parcela oprimida. Os compromissos insanos do governo só paga quem tem Arigó, quem tem Zé Arigó, quem tem homem. Arigó, quem tem José Miguel Corrêa.

A fuga do soldado da borracha” é um livro necessário para quem quer ver a historiografia brasileira percorrendo o verdadeiro caminho. É um resgate importante, necessário.

Edgar Santa Rosa Esteves

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